Notas de Atenas (III) - no dia das eleições

17 de junho 2012 - 3:01

Em dia de eleição na Grécia, algumas notas do ambiente pré-eleitoral neste terceiro relato de Jorge Costa, José Soeiro e Miguel Heleno, que acompanharam a última semana de campanha eleitoral em Atenas.

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Comício da Syriza em Atenas. Foto Syriza.

Os indecisos que podem decidir

Hoje, entre quem é chamado a decidir, está o grupo de estudantes com quem estivemos à conversa noite dentro. Não havia quem discordasse da rejeição do memorando, mas a maioria não tinha votado no Syriza nas eleições de Maio. Ora porque prefeririam dar o seu voto a outros partidos da esquerda, ora porque optaram pela abstenção. Desta vez, todos iriam votar no Syriza.



Auxílios à reflexão

Os últimos dias foram marcados por uma chantagem aberta. Jean-Claude Junker, o líder do grupo dos ministros das finanças da zona euro bradou sobre “consequências imprevisíveis para a Grécia” em caso de vitória da esquerda, fazendo o favor aos gregos de os auxiliar em pleno dia de reflexão: “Isto tem que ser evitado, seria um péssimo sinal e os gregos devem sabê-lo”. Dois dias antes, numa TV grega, uma ameaça semelhante, mas em tom de polícia bom, foi feita por François Hollande: “Se cumprir os seus compromissos”, a próxima cimeira da eurozona “adoptará medidas para o crescimento com impacto na Grécia”. Hollande recusou reunir-se com Alexis Tsipras quando da sua viagem a França.



Os movimentos sociais e o governo da esquerda: o princípio de uma luta

Sissy Vovou é uma militante feminista e anti-fascista de sempre. Tínhamo-la conhecido em 2009, no contexto da revolta grega que sucedeu ao assassinato do jovem de 15 anos Alexis Grigoropoulos. Na altura, dinamizou uma campanha de solidariedade com Constantina Kouneva, a trabalhadora atacada com ácido a mando do seu patrão.

Sissy fala-nos da campanha de solidariedade com as 40 prostitutas presas por serem seropositivas. Com o argumento de proteger os clientes que preferem não usar preservativo, o Estado prendeu estas mulheres, forçou-as a análises e exibiu na tv e nos jornais as suas fotografias e moradas, anunciando que tinham HIV. Há 24 destas mulheres que ainda estão encarceradas. Vovou conta-nos esta história como exemplo de uma questão que tem estado ausente da campanha – e que, no seu entender, não devia. Explica-nos a dinâmica do “movimento das praças” e das assembleias populares locais. Defende a necessidade de movimentos sociais independentes e fortes para que um governo de esquerda tenha sucesso.

Essa articulação passa por “comités de vigilância”, quer contra a direita, quer contra a pressão dos vários poderes, para assegurar os compromissos com os movimentos. Militante da Syriza, ela sabe que a vitória de domingo é só o princípio de uma luta.



Uma campanha de sangue

É assim que a campanha da extrema-direita, representada nestas eleições pelos nazis da Aurora Dourada, é descrita pela Sissy Vovou. Todos os dias tem havido violência sobre imigrantes e perseguição a quem é solidário com eles. Ontem, a campanha deste partido espancou um egípcio depois de lhe invadir a casa a meio da noite. Hoje vandalizaram as tendas da Syriza, da Antarsya e dos Gregos Independentes. Pelo que nos dizem, esta violência tem ficado impune e acima de tudo tem-se tornado mais explícita. O recente episódio em que um dirigente da Aurora Dourada, Ilias Kasidiaris, agrediu duas deputadas da esquerda num programa de televisão, é assumido com orgulho pelos fascistas. Nos comícios do partido grita-se “Kasidiaris, bate na lésbica!”.

A Aurora Dourada é um misto de nazi-fascismo clássico e Ku Klux Klan. A ideia é explorar o medo na população grega para ganhar aceitação para o seu programa extremista. Além da perseguição dos imigrantes, defende por exemplo a revogação de todas as leis de igualdade de género.

 

A Syriza é o Pasok?

Num táxi a caminho de Syntagma, vindos do comício do KKE, perguntamos ao condutor as suas preferências: “Nova Democracia ou Syriza?” Ele responde-nos “Papariga”, nome da líder do Partido Comunista e explica-nos que é militante do KKE. “E da Syriza, o que acha?”. “A Syriza é o PASOK”, diz-nos sem hesitação.



Nem tudo será fácil. Mas hoje sabemos que tudo é possível.

Ninguém diz que a situação será fácil caso a Syriza vença hoje as eleições. Desde logo, porque a economia está devastada pela austeridade. Depois, diz-nos Stathis Kouvelakis, porque além da política de terra queimada deixada pela troika nos serviços públicos, um futuro governo de esquerda encontrará ainda muita da administração deixada em cacos. A isso soma-se uma mais que provável tentativa de isolamento pelo poder europeu. E, num contexto de maioria relativa, as pressões fortes das outras forças políticas e das instituições para descaracterizar ou impedir a execução do programa da Syriza. Mas o dia de hoje já mostra que tudo é possível. Contra todas as previsões, pode decidir-se na Grécia o fim da austeridade e das terapias de choque neoliberais. Não é pouco. Hoje decide-se na Grécia, em grande medida, o futuro da Europa.



Encontramo-nos mais logo, a partir das 17h.

Estaremos em ligação com o portal, a partir de Atenas. Depois do concerto de solidariedade com a Grécia em Lisboa, a Marisa Matias vai também juntar-se para acompanhar aqui, ao lado dos camaradas da Syriza, um dia que será histórico.

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