Habitação

Bairro do Talude: quando se agrava a crise da habitação com retroescavadoras

01 de julho 2025 - 10:03

Retroescavadoras da autarquia, escoltadas por agentes da PSP, avançavam de forma implacável. Crianças em choque, adultos angustiados, desorientados e revoltados. Muitos também faltaram ou regressaram à pressa do trabalho para tentar proteger os seus lares.

por

Pedro Varela

PARTILHAR
Retroescavadora
Fotografia de Pedro Varela.

A Câmara Municipal de Loures levou a cabo, esta segunda-feira, mais uma operação de demolição no Bairro do Talude. Segundo a comunidade, 36 habitações auto-construídas foram arrasadas (a Câmara refere apenas 25), numa ação marcada por um forte dispositivo policial e pela total ausência de equipas de apoio social. As pessoas foram desalojadas sem qualquer alternativa habitacional, entre elas várias crianças e idosos.

Estes moradores do Bairro do Talude foram apenas informados na sexta-feira, através de um edital da autarquia, sobre a demolição imediata das suas casas, que dava um prazo de 48 horas para a desocupação. A decisão, que não foi acompanhada de qualquer solução habitacional ou assistência social, é profundamente desumana. Nesta segunda-feira, ignoraram-se providências cautelares que visavam proteger as pessoas da destruição das suas casas, e no terreno era flagrante a ausência de responsáveis da Câmara Municipal, presidida por Ricardo Leão, do Partido Socialista. No local, a operação foi conduzida por indivíduos não identificados ao serviço da autarquia, numa atuação opaca, autoritária e com ameaças.

Estas construções precárias, erguidas por pessoas maioritariamente oriundas de São Tomé e Príncipe, são o reflexo da incapacidade estrutural do governo em garantir o direito à habitação. São pessoas trabalhadoras cujos rendimentos não permitem pagar as rendas proibitivas que hoje se praticam em Portugal. Empurradas para zonas marginalizadas, estas pessoas viram na auto-construção a única forma de ter um teto.

O cenário durante as demolições foi de sofrimento e desespero. Sob um sol abrasador, as famílias e amigos retiravam os pertences com pressa, desmontando o que podiam da estrutura da casa, enquanto as retroescavadoras da autarquia, escoltadas por agentes da PSP, avançavam de forma implacável. Crianças em choque, adultos angustiados, desorientados e revoltados. Muitos também faltaram ou regressaram à pressa do trabalho para tentar proteger os seus lares. A câmara não apresentou qualquer alternativa concreta, reencaminhando os moradores para serviços sociais que oferecem respostas efémeras ou inexistentes. Todo este processo revela ainda o racismo institucional e a xenofobia que têm vindo a crescer na nossa sociedade, alimentados pela ascensão do neofascismo no parlamento, e que agora atingem a política autárquica.

O movimento Vida Justa, presente no terreno, denunciou a brutalidade do processo e contestou a legalidade da ação municipal. A Câmara de Loures não apresenta qualquer plano de realojamento nem soluções habitacionais de longo prazo. As respostas não chegam, o diálogo é inexistente e a política de habitação parece centrar-se nos despejos, como aconteceu nos últimos dias na Quinta do Mocho ou na destruição de habitações auto-construídas.

É expectável que as demolições continuem nos próximos dias, nomeadamente esta terça-feira, e vão ocorrer novas mobilizações do movimento social. O que se está a passar no Bairro do Talude é uma das expressões mais cruéis da crise habitacional em Portugal, que o novo governo com as suas políticas parece querer aprofundar. Por outro lado, a Câmara Municipal de Loures, liderada por Ricardo Leão, volta a tomar decisões políticas que aprofundam a pobreza e a marginalização dos seus próprios habitantes, recorrendo a medidas violentas contra quem mora no concelho e não tem soluções dignas de habitação.

Na prática, estas casas podem ser demolidas nestes dias, mas, enquanto não existir uma solução abrangente e efetiva, continuarão a ser erguidas por pessoas que, apesar de trabalharem, não conseguem suportar os elevados custos das rendas numa cidade dominada pela especulação imobiliária. Os bairros de auto-construção muito precários e marginalizados reapareceram, e o caso do Talude é apenas um entre muitos que evidenciam o aprofundamento da crise estrutural da habitação no país.