Foram as primeiras eleições livres com sufrágio universal realizadas em Portugal. A 25 de abril de 1975, o povo português acorreu em massa às urnas para eleger a Assembleia Constituinte. Essa mesma Assembleia iria inscrever no preâmbulo da Constituição da República Portuguesa a decisão do povo de “defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista”.
Ainda no início de 1975 tinham começado as negociações da Plataforma de Acordo Constitucional, que abria caminho ao Primeiro Pacto MFA-Partidos, dando um papel de destaque ao Movimento das Forças Armadas com a criação do Conselho de Revolução e garantido a realização das eleições para a Constituinte.
Seguiu-se um processo de campanha eleitoral entre 2 e 23 de abril, com 14 partidos concorrentes e mais de 8.000 comícios e sessões de campanha realizados por todo o país. Foram uma média de 300 atividades de campanha por dia, com dois terços das ações concentradas nos sete maiores círculos eleitorais. Isto menos de um ano depois do 25 de Abril e do fim da ditadura.
Não foram poucas as idiossincrasias da campanha, como a “guerra de cartazes” com a prática de danificar ou colar por cima dos cartazes dos outros partidos. Numa altura em que a comunicação de massas se concentrava na rádio, na televisão, nos jornais e na propaganda de rua, todos os terrenos eram de disputa e o COPCON chegou a deter 30 pessoas por rasgar cartazes eleitorais.

11 de março de 1975 e a má memória do rasto fascista durante a Revolução
O clima político também era único. Foram eleições durante o Processo Revolucionário Em Curso e, no prazo daquele ano, tomaram posse quatro governos provisórios e dois Presidentes da República. As eleições estavam até marcadas para 12 de abril, mas acabaram por ser empurradas para o dia 25 devido ao golpe spinolista de 11 de março.
Para além dos atentados da direita que se iam desdobrando, o próprio processo eleitoral tinha dificuldades inerentes. Os cadernos eleitorais da ditadura, por exemplo, não serviam para eleições livres com sufrágio universal. Contabilizavam apenas 1,8 milhões de votantes inscritos e a expetativa era que um novo levantamento chegasse aos 5,5 milhões. Por isso, o recenseamento constituiu uma tarefa hercúlea, que começou a 9 de dezembro de 1974 e terminou a 8 de janeiro de 1975, apenas alguns dias depois do programado. Nesse período registaram-se 6,2 milhões de eleitores com a participação de cidadãos, partidos e serviços do Estado.
A eleição dos 250 deputados constituintes obrigou à composição de nove mil mesas de votos e tiveram de ser impressos mais de 8,6 milhões de boletins de voto, que foram feitos com mais de 90 mil quilos de papel, oferecidos a Portugal pela Suécia, e que foram distribuídos pelo país através do Exército, da Força Aérea, da GNR e da STAPE
Resultados nas urnas
No dia das eleições, foram votar 5,7 milhões de portugueses, a esmagadora maioria dos recenseados. Um primeiro momento de consolidação democrática marcado pela adesão e apoio ao regime democrático. Apenas 7 dos 14 partidos concorrentes obtiveram representação parlamentar. Entre eles a União Democrática Popular, que elegeu para a Assembleia Constituinte um deputado, e que em 1999 viria a fazer parte do nascimento do Bloco de Esquerda.
Uma das grandes surpresas foi o resultado do Partido Comunista Português, até então grande protagonista na campanha eleitoral, mas que acabou por ficar em terceiro lugar, atrás do Partido Socialista e do Partido Popular Democrático (PPD, que depois muda para Partido Social Democrata).
25 de Abril
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Da noite eleitoral saiu vencedor Mário Soares e o Partido Socialista, com mais trinta deputados do que o PPD. O mesmo vencedor que apenas três anos mais tarde defendeu que o socialismo tinha de ser “metido na gaveta” e que foi construindo o caminho económico de Portugal com o Fundo Monetário Internacional.
As eleições acabaram por ser também uma pedra angular no Processo Revolucionário em Curso, que apenas sete meses depois das eleições e depois de um “Verão Quente”, viria a ser terminado pelas forças militares da direita. Apesar disso, na Constituição da República Portuguesa ficaram eternizados o direito à igualdade, à integridade pessoal, à liberdade de imprensa e os direitos à reunião, à manifestação, ao voto universal, ao trabalho, à saúde e habitação, entre outros.
Cinquenta anos depois, a saúde e a habitação são as principais preocupações dos portugueses, segundo as sondagens mais recentes. Com eleições à porta, desta vez com smartphones, redes sociais e novas formas de comunicar e fazer política, a campanha eleitoral para 18 de maio também se afigura frenética. Sobretudo porque caiu o primeiro-ministro da Aliança Democrática, cuja consultora recebia avenças mensais de várias empresas. A extrema-direita também levanta agora a cabeça, com 50 deputados na Assembleia da República, quando em 1975 tinha sido escorraçada para a marginalidade. À esquerda do Partido Socialista, os partidos continuam a lutar para que os direitos consagrados na Constituição sejam cumpridos e a lutar para tirar o socialismo da gaveta.