Genocídio

“Israel não teria feito tudo o que fez se não soubesse que tinha carta branca”

17 de maio 2025 - 12:15

Francesca Albanese viu renovado até 2028 o mandato de relatora especial da ONU para os territórios palestinianos ocupados. No novo relatório que lançará em junho, passa em revista as empresas e instituições que são cúmplices da “economia da ocupação transformada em economia do genocídio”.

PARTILHAR
Francesca Albanese
Francesca Albanese. Foto de Rafael Medeiros

Francesca Albanese tem sido alvo do governo israelita pela forma como denuncia o genocídio em curso na Faixa de Gaza. Apesar das campanhas para a difamar, viu em abril renovado o seu mandato até 2028 enquanto Relatora Especial da ONU para os Territórios Palestinianos Ocupados. Em entrevista ao diário espanhol Público, fala do relatório que está a preparar, com divulgação agendada para junho, acerca da cumplicidade de empresas privadas com a economia da ocupação “e o papel que desempenharam na transformação dessa economia numa economia do genocídio”.

Albanese destaca o crescimento do setor tecnológico e militar que são agora a base da economia de Israel e que somaram grandes lucros, enquanto a maioria da população israelita sofre as consequências de uma crise económica. Além do mundo empresarial, a relatora da ONU debruça-se também sobre o papel das universidades que mantiveram protocolos com instituições israelitas na área tecnológica com uso militar, mas também sobre fabricantes automóveis ou os fundos de pensões que investem em Israel.

“É impressionante como temos estado a contribuir para o genocídio - de forma voluntária ou não - através do que compramos, da seguradora que escolhemos, dos bancos onde depositamos o nosso dinheiro. Por isso agora a responsabilidade é nossa: não fomos capazes de travar o genocídio, então agora devemos exigir a prestação de contas”, diz Francesca Albanese, lembrando que depois da II Guerra Mundial houve sanções a empresas que colaboraram com o genocídio.

Essa prestação de contas deve abranger em primeiro lugar a indústria militar, mas também os países da ONU que continuam a vender ou a permitir a passagem de armas para Israel ou países como a Hungria, que não acatou a ordem do Tribunal Penal Internacional para prender Netanyahu. As ONG que investem ou chegam mesmo a vender propriedades palestinianas em territórios ocupados também vão constar neste relatório. “O nível de cumplicidade é incrível”, diz Albanese.

A relatora especial da ONU não poupa críticas à organização que representa, defendendo que as Nações Unidas deviam ter sido “mais firmes” na condenação em vez de se focarem em incidentes específicos. “Deveriam ter sido as Nações Unidas a apontar diretamente a Israel” pelas violações do direito internacional, prossegue Albanese, contrapondo que quem na verdade tentou travar o genocídio foi o povo de todo o mundo que se manifesta há 20 meses nas ruas.

Albanese deixa uma palavra especial para o povo espanhol e o seu Governo, na semana em que Pedro Sánchez afirmou no Parlamento que a “Espanha não negoceia com um estado genocida”, as declarações mais duras de governantes europeus até ao momento. Mas acrescenta que há muito por fazer para despertar os outros governos europeus, criticando o facto de não ter havido um corte de relações com Israel nos últimos meses, pois “Israel não teria feito tudo o que fez se não soubesse que tinha carta branca”.