"Há um ministro de um governo que permite um corte salarial de mais de 3% aos funcionários públicos e diz que o faz por prudência. Esse ministro, para justificar a prudência, alega a centralidade da dívida pública e não hesita em convocar o diabo de crise futura. A minha pergunta é: a que partido pertence esse ministro?", questionou Mariana Mortágua após a intervenção de Fernando Medina no arranque do segundo dia do debate orçamental.
Para a deputada bloquista, nas justificações do ministro "está tudo ao contrário". Diz que é preciso reduzir o défice quando as regras orçamentais europeias não estão em vigor, que não pode aumentar a despesa estrutural quando "a falta de profissionais é gritante, a começar pela Educação e pela Saúde", ou que é preciso conter salários para evitar a espiral de preços quando "a inflação vem do lado da oferta" e não da procura. "Não me admirava que, num dia de maior entusiasmo, o senhor ministro deixasse escapar um 'não podemos viver acima das nossas possibilidades', porque no fundo é isso que pensa", acrescentou.
Prudência com os rendimentos das pessoas contrasta com as "mãos largas" nos benefícios fiscais a residentes não habituais
Com este discurso do Governo do PS, prosseguiu Mariana Mortágua, não é de admirar que "a direita se atrapalha e patina", pois o PSD "não faria melhor". Resta-lhe ir-se "encostando ao discurso vazio da IL sobre competitividade e crescimento, que tem a vantagem de reduzir todas as políticas públicas à baixa dos impostos, sem nunca explicar como iria depois pagar o cheque ensino, o cheque farmácia, o cheque cirurgia, o cheque creche, o cheque médico de família, enfim, o grande passador de cheques em que transformaria o Estado português".
Mas a prudência invocada por Medina já não se aplica a áreas onde o Governo é "tão mãos largas", como no regime dos benefícios fiscais a residentes não habituais que "custa 900 milhões de euros, oito vezes os investimentos estruturantes em saúde previstos para 2022 e cerca de cinco vezes o aumento líquido de todos os trabalhadores do Estado", ou no imposto de selo que a EDP não pagou no negócio das barragens, cujos 110 milhões de euros praticamente equivalem ao custo dos escalões do IRS, ao mesmo tempo que deixa intocados "os lucros caídos do céu das grandes empresas da energia e distribuição" e mantém "os 138 milhões para o Novo Banco através dos ativos por impostos diferidos".
Prudência, concluiu Mariana Mortágua, teria sido "investir na fixação de médicos e enfermeiros antes de uma pandemia se abater sobre o SNS", travar os vistos gold e os incentivos à especulação imobiliária, alterar a lei laboral "que agora empurra o salário médio e o aproxima do salário mínimo" ou cortar nas rendas da energia. "À esquerda, a sua prudência soa mesmo a desculpas do tempo daqueles outros senhores", rematou.