Em vésperas de eleições, o discurso de que "se taxarmos os ricos, o país afunda" ganha força. A mensagem central é simples: devemos evitar que a tributação mais elevada assuste investidores, sob pena de perdermos postos de trabalho e inviabilizarmos a economia. Mas esta narrativa esconde uma grande falácia económica.
Recitada qual dogma eclesiástico, esta ideia sugere que os mais ricos são os grandes dinamizadores da economia e inovação. Na realidade, os maiores bilionários de Portugal enriquecem através da monetização das necessidades básicas da população. Controlam supermercados, energia, telecomunicações e infraestruturas essenciais. Por outras palavras, tal senhores feudais, controlam: comida, água, energia, casas, estradas, etc... Inovação? Quase nenhuma. Dependência da população? Extrema.
Quem são os mais ricos de Portugal?
A primeira falácia é a construção da imagem de empreendedor inovador, numa busca por um produto melhor, mais popular, novo. Quando pensamos em grandes fortunas, pensamos em empreendedores inovadores como Jeff Bezos ou Mark Zuckerberg. Ou Musks, que investiram em novas áreas e tecnologias de ponta. Em Portugal, no entanto, a maioria da riqueza está concentrada em famílias como Azevedo, Amorim, Soares dos Santos — donos de conglomerados como a Sonae, a Galp, a EDP e a Jerónimo Martins. Estes são os sectores onde as maiores fortunas do país estão alicerçadas. Não se tratam de empresas que vão criar a nova Coca-Cola ou uma nova forma de comunicação, mas sim de empresas que controlam bens essenciais, do consumo diário de energia à alimentação. Em suma, não inovam – exploram necessidades humanas básicas.
A falácia dos “criadores de emprego”
Há uma ideia propagada de que os ricos criam emprego, o que justifica políticas de isenção fiscal e proteção a grandes corporações. Contudo, este raciocínio falha: o país não deve sentir-se endividado para com aqueles que controlam o essencial, e muito menos abrir mão de recursos fundamentais para garantir lucros a grandes conglomerados.
O discurso sobre a fuga dos ricos funciona, sobretudo, como um medo plantado nas camadas mais vulneráveis da sociedade. É uma chantagem psicológica que utiliza o receio de quem já vive em situações precárias: a ideia de que, se os ricos forem taxados, o emprego e a estabilidade desaparecem. Essa manipulação serve para manter as massas na inacção e na aceitação de um status quo que favorece a concentração da riqueza e a precarização do trabalho. Tal como numa relação abusiva, trata-se de um controlo emocional. E, convenhamos, um grande bluff.
Porque é que os ricos não vão fugir
A verdade é esta: em Portugal, os mais ricos não podem fugir. A riqueza deles não vem de invenções revolucionárias, mas da exploração de bens essenciais e infraestruturas estratégicas, que dificilmente podem ser movidas para outros países. Se a Galp, a EDP e o Continente se mudassem para França, em primeiro lugar, iriam encontrar a competição dos seus congéneres franceses. Bonne chance! Em segundo lugar, depressa surgiriam outros dispostos a pegar na mina de ouro que é monetizar as necessidades básicas de um país inteiro. Em suma, seria um belo tiro no pé.
Mesmo com impostos mais altos, os lucros continuam a vir de um país que não pode abdicar do acesso a esses serviços. Mesmo que uma parte da riqueza seja deslocada para paraísos fiscais, o que já é, as operações dessas empresas em Portugal permanecem.
Não é sobre punir, é sobre redistribuir
O debate sobre a tributação da riqueza não deve ser confundido com uma tentativa de punir quem tem sucesso. Trata-se de garantir que a redistribuição fiscal seja feita de forma justa. O que Portugal precisa não é de mais proteção a grandes monopólios, mas de uma economia mais equitativa, que permita que novos agentes económicos surjam e que o trabalho seja valorizado de forma justa.
A verdadeira ameaça ao país: a captura das necessidades essenciais
A grande questão não é taxar os ricos; é permitir que uma pequena elite continue a monopolizar os bens essenciais da sociedade. Não são os impostos sobre a riqueza que irão destruir o país, mas sim a concentração de poder nas mãos de quem controla o acesso a necessidades básicas. O que está em jogo não é apenas o futuro da economia, mas o da justiça social. Estamos numa era de feudalismo capitalista, com apps.
Estamos a um passo de uma eleição crucial, e é fundamental que a manipulação da opinião pública seja desmontada. O medo de uma suposta fuga dos ricos não pode ser uma razão para manter um modelo que garante o enriquecimento de poucos à custa da precarização de muitos.
Conclusão
O país não vai afundar com a tributação da riqueza, mas sim com a perpetuação de um sistema que mantém as grandes empresas no controlo dos nossos bens essenciais, enquanto os cidadãos comuns se tornam mais vulneráveis. Se continuarmos a proteger os grandes interesses em detrimento da justiça social, a desigualdade crescerá ainda mais, e a estabilidade económica será uma ilusão.
Não podemos continuar a achar que precisamos dos mais ricos mais do que eles precisam de nós.