II Fórum LGBTQI+

Políticas de género, luta LGBTQI+ e luta anticapitalista

02 de março 2025 - 16:28

A emancipação não pode ser apenas uma luta pela identidade pessoal, tem de passar por uma luta que é coletiva e interseccional, capaz de ambicionar horizontes políticos que sejam verdadeiramente emancipadores.

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bandeira LBTQI+
Fotografia de Bloco de Esquerda

Este é um excerto retirado do documento orientador do II Fórum LGBTI+ do Bloco de Esquerda, que foi discutido e aprovado durante o Fórum.


 O género e a orientação sexual não são apenas categorias de identidade individual, mas categorias políticas que explicam a distribuição desigual do poder, a divisão sexual do trabalho, a organização de políticas públicas. O movimento contra o género é muito mais que uma guerra cultural. Na atual obsessão contra o “género” das direitas internacionais está a oposição e a tentativa de reversão de direitos: o aborto, o acesso a tecnologias reprodutivas e a serviços de saúde, os direitos das pessoas trans, a liberdade das pessoas queer, a monoparentalidade e a parentalidade gay, todas as formas familiares diversas, a existência da educação sexual, a existência de livros para crianças e jovens que abordem as identidades de género ou a orientaçãoo sexual, a possibilidade de desfamiliarizar os cuidados e de responsabilizar os Estados por esse direito.

A diversidade e a mutabilidade do género ameaça a direita por colocar em causa a divisão sexual do trabalho e a familiarização do bem-estar, por mostrar que elementos que o discurso conservador tinha como imutáveis (desde logo, as identidades sexuais e de género) são afinal mutáveis, construídos coletivamente por nós. Ao mesmo tempo, o feminismo liberal e o individualismo de género convivem bem com a lógica de destruição social e de atomização do neoliberalismo. Uma política de género e uma política LGBTQI+ restringida à esfera liberal dos direitos individuais não responde aos direitos fundamentais. É pois crucial que a luta pelos direitos LGBTQI+ e pela autodeterminação de género se oponha ao neoliberalismo, ao individualismo liberal e à devastação capitalista. Por isso precisamos de alianças vastas e ao mesmo tempo de uma esquerda anticapitalista que entende a complexidade das nossas experiências e das estruturas que condicionam as nossas identidades.

A emancipação não pode ser apenas uma luta pela identidade pessoal, tem de passar por uma luta que é coletiva e interseccional, capaz de ambicionar horizontes políticos que sejam verdadeiramente emancipadores. Para tal, não aceitaremos que o nosso projeto político transformador seja confundido com o capitalismo cor-de-rosa, quando aquilo pelo qual ambicionamos é uma verdadeira luta pelo fim do cisheteropatriarcado e do sistema capitalista que o suporta.

Queremos a libertação sexual e dos corpos de todas as pessoas. Queremos o empoderamento das mulheres e a libertação dos estigmas da sociedade cisheteronormativa para todo o povo. Denunciamos a normalização de teorias da conspiração como a da alegada “ideologia de género” cujo objetivo é unicamente, através de uma estratégia de “pânico moral”, travar o debate para um maior respeito de todas as pessoas e expressões. Queremos poder questionar os limites do género na sociedade capitalista e provocar a sua mudança através do feminismo queer. Não permitiremos que a obsolescência das normas de género seja mascarada por um pânico artificial. Não permitiremos o constante ataque a pessoas trans com o pretexto mentiroso da “defesa do género” e das crianças. A real proteção das crianças contra a violência sexual passa pela defesa da educação sexual nas escolas, que permite que as crianças entendam o consentimento, denunciem o abuso e aprendam a conviver e a valorizar a diferença. Impedir a informação às crianças, reproduzir guiões desiguais e hierarquias de género, distinguir as crianças por cores, consoante o género atribuído à nascença, não é proteção!

Só no primeiro mês deste ano, 5 mulheres foram assassinadas em crimes de violência doméstica. A violência sexual e de género não se previne com o pânico transfóbico; muito pelo contrário, o ataque a pessoas trans só as vulnerabiliza e legitima ainda mais a violência transfóbica e transmisógina que é tão comum na sociedade em que vivemos. Impedir pessoas trans de utilizarem a casa de banho conforme o género com que se identificam não é proteção! Queremos libertação para todas as pessoas. Desejamos uma sociedade em que a identidade das pessoas não seja radicalmente condicionada pelos órgãos sexuais com que nasceram. Almejamos um mundo em que pessoas adultas se possam amar e relacionar de forma consentida sem que isso resulte na repressão e na marginalização cultural. Não há nada de diabólico em desejar um mundo mais igual, assim como não há nada de errado com todas as pessoas que simplesmente existem da forma que lhes é mais real, mesmo que isso vá além da cisnormatividade binária de género. Não iremos aceitar que grupos conservadores mal intencionados nos vilanizem, nos ataquem e nos difamem.