Os níveis globais de satisfação entre os médicos e enfermeiros do SNS estão em terreno positivo - 3,26 e 3,29, respetivamente, numa escala de 0 a 5 -, aponta um estudo divulgado esta quinta-feira pelo Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (PLANAPP).
Um dos co-autores do estudo, o investigador André Beja, disse ao Esquerda.net que os resultados “conferem evidência a muitas coisas que ouvimos dizer, mas que até agora eram apenas perceções: mostra-se que o salário importa, mas as carreiras, as condições de trabalho e arquitetura institucional são determinantes e podem ser melhorados para reter profissionais”.
Entre os profissionais de saúde “a satisfação com o SNS é maior do que aquilo que poderíamos pensar, mas importa acautelar condições para que médicos e enfermeiros possam construir um projeto de vida que concilie trabalho, família e outras vertentes. Os profissionais ficam no SNS se tiverem condições e se sentirem acarinhados”, refere o investigador, para quem “é preciso deixar de lado a perspetiva dos gastos em saúde e abraçar a ideia de que reforçar o SNS é um investimento para toda a sociedade”. Assim, “sta evidência permite definir melhores políticas públicas para defender o SNS, mostrando também a importância de negociá-las com as organizações representativas dos trabalhadores”, conclui André Beja.
Quase metade dos médicos no SNS acumulam com trabalho na saúde privada
No caso dos médicos, os fatores de maior satisfação são a relação com o responsável ou chefe de serviço (3,6), seguida da qualidade da prestação dos cuidados prestados no serviço (3,50) e características do trabalho (3,46). O vencimento é a dimensão com que estão mais insatisfeitos (2,11) seguida da carreira e formação contínua (2,34) e dos órgãos de direção da instituição (2,35). O grau de satisfação varia em função de diversos fatores, como “o tipo de unidade onde atuam, a região em que se encontram, as características do horário de trabalho, a exclusividade ou não de trabalhar para um único prestador, a idade e a ocupação de cargos de chefia”, refere o estudo.
Mais de metade dos médicos do SNS (52,6%, quase alcançando 60% no caso dos médicos especialistas) declaram estar em situação de duplo emprego (21,1% trabalham para mais uma unidade de saúde privada), multiemprego (26,2% trabalham para várias unidades no privado) ou ainda outras situações de multiemprego (5,2% declaram trabalhar dentro e fora do setor da saúde). Cerca de dois terços dos inquiridos são mulheres (66.5%), a média de idades está nos 42 anos e no que diz respeito aos rendimentos médios líquidos mensais, 77,4% dos médicos internos declaram ganhar entre 1.000 e 1.999 euros e 18% entre 2.000 e 2.999 euros. No caso dos médicos especialistas, 43,6% declaram auferir entre 2.000 e 2.999 e 42,8% ganham mais de 3.000 euros.
Apontando os perfis do médico mais satisfeito e mais insatisfeito, o estudo diz que o primeiro está no Alentejo, é mais velho, ocupa cargos de chefia, trabalha nos cuidados de saúde primários, possui um horário de trabalho fixo e exclusividade com um único prestador. Já o segundo é mais jovem e não ocupa cargos de chefia, está no Algarve, trabalha em cuidados hospitalares em regime de turnos e em situação de multiemprego no SNS e no privado.
Estes perfis permitem perceber algumas diferenças na satisfação ao nível regional, com os médicos no Alentejo a apresentarem mais satisfação e no pólo oposto os que trabalham no Algarve, seguidos dos de Lisboa e Vale do Tejo como os mais insatisfeitos, pelo que, defendem os autores, “não é possível corrigir as situações geradoras de insatisfação apenas através de medidas gerais e transversais à profissão”. O mesmo se passa ao nível da idade, com os jovens mais insatisfeitos sobretudo em relação a dimensões relacionadas com recursos e infraestruturas, equilíbrio entre trabalho e vida profissional e características do trabalho e desenvolvimento profissional. Quem trabalha nos cuidados de saúde primários apresenta níveis de satisfação superiores aos dos médicos hospitalares, salvo no que diz respeito ao equipamento e ao contexto de prestação de cuidados, que inclui fatores como a limpeza, segurança e organização das instalações.
Quanto às situações de exaustão extrema, o chamado burnout, elas ocorrem sobretudo entre os profissionais em situação de multiemprego e que não ocupam cargos de chefia e são mais comuns entre as mulheres e que têm filhos ou familiares a cargo. A incidência diminui com a idade e é mais pronunciada entre os que estão mais insatisfeitos, nas regiões do Algarve e Lisboa e Vale do Tejo.
Insatisfação com salário é maior entre os enfermeiros
No que diz respeito aos enfermeiros, 75,7% declarou trabalhar em exclusivo num prestador do SNS, com os restantes a trabalharem em duplo emprego (14,9%) ou noutras situações de multiemprego dentro e fora do setor da saúde. A grande maioria dos inquiridos está nos cuidados hospitalares (81,6%) e são mulheres (81,7%), com a média etária a situar-se nos 44 anos. Quanto ao rendimento médio líquido mensal, 86,3% ganham entre 1000 e 1999 euros, enquanto 10,2% recebem entre 2000 e 2999 euros. Uma franja de 1,1% recebe até 999 euros e 0,5% recebe 3000 euros ou mais.
Segundo o resultado deste inquérito, para o nível positivo de satisfação contribuem o responsável ou chefe de serviço (3,57), o estado de espírito no local de trabalho e as características do trabalho (ambas com 3,55). Em contraponto, a insatisfação é maior com o vencimento (1,9) e a carreira e formação contínua (2,25). Ao contrário dos médicos, não se registam diferenças significativas da satisfação consoante as regiões do país onde trabalham. Também aqui o perfil do enfermeiro mais satisfeito é ser mais velho, especialista e a trabalhar nos cuidados de saúde primários com horário fixo e em exclusividade no SNS, ocupando caros de chefia. O perfil mais insatisfeito é mais jovem, trabalha nos cuidados hospitalares, tem especialidade mas não foi reclassificado na carreira nem ocupa cargos de chefia, trabalha por turnos e em multiemprego.
O estudo sobre a satisfação dos profissionais de saúde em Portugal e retenção no SNS foi executado por Tiago Correia, Rita Morais e André Beja, investigadores do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-NOVA). O questionário foi feito no verão de 2024 e abrangeu 1.398 médicos e 1.494 enfermeiros no SNS e 472 médicos e 479 enfermeiros no privado e procurou avaliar a satisfação profissional, condições de trabalho, equilíbrio trabalho-família, burnout, vínculos laborais e remuneração. Dadas as diferenças nas duas amostras - representativa no SNS e de conveniência no privado -, os autores advertem contra as comparações diretas entre os resultados alcançados para o SNS e o setor privado, onde o resultado do inquérito apontou para um grau de satisfação global de 3,69 na mesma escala de 0 a 5.