25 de Abril e os nossos tempos, por Ana Luísa Amaral

porAna Luísa Amaral

Um poema de Ana Luísa Amaral sobre o 25 de Abril, à memória de Miguel Portas.

29 de abril 2012 - 17:23
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À memória de Miguel Portas,

25 de Abril de 2012


 

 

 

 

 

 

Tão novo de morrer,
quase morrido

Tem vindo a ser matado
por sorrisos e cega obediência,
por sustos assustados,
ou simplesmente por não ser presente
e ter sido esquecido
na cave desta casa

Nela nasceu erguido
entre o mais desatado e o mais belo de ser:
tanques e cravos, e casos curiosos raso a mitos,
e sérios casos de paixão a sério,
e também carne e vida,
o que de mais importa neste mundo

Repousar é de morto, e ele terá morrido:
sem exéquias sequer,
só de mentira,
está o seu corpo muito lá em baixo,
como se fosse um peso que já não:

Nem mesmo incomodar
os números que voam, desatados,
os bárbaros que uivando sobrevoam
o telhado da casa
e nele pousam, cruéis e confortáveis,
repousam dos seus rumos de conquista

Tão novo de morrer,
morrido quase

Quem as exéquias suas?
Não há mural que o ressuscite aqui?
Ou chamamento novo que o congregue
de novo e em colisão
nestas janelas?

Dos que ao seu lado viveram lado a lado,
desses o susto bom de ele nascer,
e a desobediência ao erro e ao dobrado

Dos que depois nasceram:
a memória,
talvez da sua mão, ou mãe: memória,
o que de mais importa neste mundo

Que esses possam dizer que não,
que ainda vive,
que é novo de morrer e ainda vive,
e que o seu funeral: coisa sem rumo

Mesmo que chova hoje, como chove,
e as nuvens se perfilem junto aos uivos,
mesmo assim pressenti-lo

Teimar que é impossível
morrer assim tão novo

Saber
que isto não pode ser assim

                                 Ana Luísa Amaral

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