No dia em que a polícia prendeu dezenas de alunos na Universidade de Santa Cruz, Califórnia, e desmantelou mais um protesto pela Palestina livre e o fim da guerra e do genocídio, o Presidente dos EUA Joe Biden anunciava algumas horas depois, na tarde de 31 de maio de 2024, o seu “plano de paz” para o fim do atual conflito israelo-palestiniano.
Para além dos três pontos sugeridos na sua alocução em torno deste novo “roteiro para a paz”, julgo tornar-se evidente que teve dois objetivos essenciais, e num momento em que regista novo fôlego, talvez temporário, após a condenação em tribunal do seu principal rival doméstico Donald Trump.
Primeiro, a nível interno, demonstrar o empenho da Casa Branca numa “paz duradoura” e no “fim do sofrimento” de israelitas e palestinianos, uma tentativa de esvaziar os grandes protestos contra a invasão militar de Gaza e pelos direitos básicos do povo palestiniano, que não ocorriam desde as grandes jornadas contra a guerra do Vietname, em particular nas universidades.
E, se possível, recuperar alguns dos votos da “esquerda do Partido Democrático” nas presidenciais de 5 de novembro de 2024, que se rebelou.
A nível externo, propagar a imagem de uma diplomacia “paladina da paz” e empenhada no fim da carnificina, em particular dirigida aos designados “países árabes moderados”, e a alguns aliados europeus. Porque sobre a posição da União Europeia neste conflito, talvez seja sensato ignorá-la de momento, em particular porque não existe.
No entanto, é previsível que nada mude no imediato. Os Estados Unidos vão permanecer o mais fiel aliado do atual regime extremista israelita, vão continuar a fornecer-lhes todo o armamento de que necessitem, todo o apoio monetário, toda a cumplicidade diplomática, todo o silêncio perante os contínuos massacres, ou um silêncio cúmplice face à propagação das censuras.
E a população palestiniana, os civis e os resistentes, vão continuar a morrer, às dezenas, diariamente, a serem gravemente feridos, diariamente, a ficar soterrados em escombros, diariamente, a confrontar-se com a fome, diariamente.
Logo após o discurso de Biden, o primeiro-ministro de Israel foi claro, as ações militares vão continuar “até estar completo o trabalho”. O trabalho, entenda-se, que não será a destruição das capacidades políticas e militares do movimento islamista de resistência palestiniana Hamas. Mas antes prosseguimento da impiedosa punição coletiva de toda a população palestiniana.
Previamente, um seu conselheiro tinha espalhado pelos ‘media’ que a intervenção em Gaza irá prosseguir “pelo menos até ao final do ano”.
Na madrugada de hoje, nova incursão militar israelita na Cisjordânia ocupada resultou na morte de “18 terroristas palestinianos”. Uma prática utilizada desde há décadas e que nenhum acordo de paz tem conseguido impedir. Porque para os sionistas extremistas, todo a população palestiniana é potencialmente “terrorista”.
Um novo acordo de paz, decerto provisório, acabará por surgir. E o regresso da “questão palestiniana” à arena internacional após o reconhecimento oficial da Palestina agora por diversos Estados europeus, o apoio largamente maioritário que conta nas Nações Unidas, a perspetiva da formação de “dois Estados”, que muitos na Palestina consideram impraticável devido à ocupação, à disseminação dos colonatos, ao ‘apartheid’.
Uma guerra, um dilacerante conflito, que parece não ter fim. A única forma de o parar, para além da “pressão dos Estados Unidos”, será o regime israelita admitir que os seus objetivos não podem ser atingidos (destruição do Hamas) e que se encontra numa encruzilhada, também “acossado” por uma população secular israelita que ocupe as ruas, resista à repressão policial, e derrube o regime mais nefasto e assassino nos 76 anos de existência de Israel. Um Estado que afinal, desde a sua essência, se baseou na limpeza étnica e na discriminação das populações autóctones. E que dessa forma também fomentou o radicalismo religioso, o fundamentalismo em armas que agora diz querer erradicar de vez.
