Ser estudante é exercer um trabalho não remunerado, disciplinado e invisibilizado, ao serviço de um sistema que forma corpos para o Capital e não para a emancipação da classe operária.
Este trabalho denomina-se trabalho escolar, embora habitualmente não seja reconhecido como tal, uma vez que não recebemos qualquer remuneração pela sua realização. Isto, no entanto, não significa que o trabalho escolar não constitua efetivamente trabalho, mas sim que fomos levados a acreditar que só e exclusivamente o trabalho remunerado é verdadeiramente válido ou legítimo. Entretanto é de se desconfiar que as instituições financeiras que operam exclusivamente ao serviço do Capital tenham interesse na educação da classe trabalhadora. Ora se o principal interesse das grandes multinacionais e dos bancos é gerar lucro, logo qualquer ação que não tenha essa funcionalidade não estará à priori sob os interesses desses organismos.
De modo que, não será necessária grande agudeza intelectual para associar o interesse dos organismos financeiros com a educação, que é a busca pelo lucro através da formação de capital humano. Isto significa que no sistema capitalista, é a dinâmica do capital que determina o processo educativo.
O trabalho escolar manifesta-se sob a forma de múltiplas tarefas, com diferentes níveis de intensidade e combinações de trabalho qualificado e não qualificado. Por exemplo, somos ensinados a permanecer sentados em silêncio durante longos períodos de tempo, a evitar qualquer tipo de perturbação, a escutar atentamente e a tentar memorizar tudo o que é dito. Espera-se de nós obediência à autoridade dos professores. Ocasionalmente, aprendemos certas competências técnicas que poderão aumentar a nossa produtividade em contextos laborais fora da escola. Na maior parte do tempo, contudo, estamos envolvidos em tarefas que se assemelham a trabalho não qualificado e repetitivo, sendo a mudança no sistema escolar publico imperativa.
O traço comum a todas estas tarefas escolares é a disciplina, ou seja, o trabalho forçado. Enquanto estudantes, somos disciplinados por agentes externos — professores, diretores — que nos obrigam a “trabalhar”. Outras vezes, somos autodisciplinados, ou seja, forçamo-nos a nós próprios a cumprir o trabalho escolar, trabalhos de casa. Não surpreende que as diferentes áreas do saber tenham sido historicamente denominadas de “disciplinas”. Naturalmente, é mais eficiente e menos dispendioso para o Capital se for o próprio estudante a autorregular-se. Isto permite ao estado neoliberal reduzir os custos com professores e auxiliares escolares, que são trabalhadores remunerados.
Enquanto estudantes autodisciplinados, desempenhamos uma função dupla: não só realizamos o trabalho escolar, como ainda assumimos o papel de nos forçarmos a fazê-lo. Daí o grande investimento, por parte da administração escolar, em estratégias que fomentem a autodisciplina, procurando simultaneamente minimizar os custos da disciplina externa.
Tal como todas as instituições capitalistas, a escola funciona como uma fábrica. A avaliação e a categorização (por exemplo, os exames e os sistemas de “tracking”) são formas de medir a nossa produtividade dentro desta fábrica escolar. Para além de sermos moldados para assumir uma futura "posição na sociedade", somos também programados para ocupar o "lugar que nos está destinado". A escola-fábrica constitui, assim, uma etapa essencial no processo de seleção social, encaminhando alguns para varrer as ruas e outros para supervisionar os que as varrem.
O trabalho escolar pode, por vezes, incluir aprendizagens que os estudantes consideram pessoalmente significativas ou úteis. No entanto, este aspeto está rigidamente subordinado ao interesse imediato do Capital: a disciplinarização da força de trabalho.
O "lado do consumo"
Segundo os economistas, um bem de consumo é algo que proporciona prazer, satisfação, gozo. Aplicar esta lógica à escola revela o absurdo da formulação. O trabalho escolar é caracterizado por pressões constantes, prazo de entregas, horários rígidos, noites em claro a estudar para exames, e um regime constante de autodisciplina forçada. A experiência escolar assemelha-se mais a uma forma de repressão do desejo do que a uma fonte de prazer. Seria como afirmar que a prisão é um bem de consumo porque é agradável sair dela.
O "lado do investimento"
Durante os anos 60, economistas, banqueiros e orientadores profissionais proclamavam a escola como um “bom investimento pessoal”. A ideia era tratar o estudante como uma microempresa capitalista, onde se investe (em tempo e dinheiro) para mais tarde colher lucros sob a forma de salários mais elevados.
Investir em educação seria, portanto, comprar maquinaria intelectual para produzir mais-valia pessoal no mercado de trabalho. Trabalhar num segundo emprego, contrair empréstimos, pedir apoio aos pais — tudo justificável em nome de um retorno financeiro futuro.
Durante o auge da chamada "revolução do capital humano", os economistas aclamavam que o retorno do investimento em educação superaria o rendimento de muitas ações no mercado financeiro. Era o capitalismo a prometer redenção à classe trabalhadora… mas sem alterar a estrutura de exploração.
No entanto, esta lógica esbarra em contradições históricas. A partir dos anos 70, com a intensificação das crises cíclicas do capitalismo, os próprios teóricos passaram a admitir que as suas análises estavam erradas: o investimento em educação já não garante retorno financeiro garantido. A promessa de mobilidade social é desmontada, revelando-se como mais uma ilusão funcional ao sistema capitalista.
O melhor que conseguem agora oferecer é um eventual aumento do chamado "rendimento psíquico" — ou seja, talvez se consiga um trabalho mais "agradável", mas nem isso é certo. Até profissões tradicionalmente vistas como limpas e respeitáveis, como o ensino, tornaram-se precárias, mal pagas e emocionalmente desgastantes.
Assim, a realidade revela o óbvio: os estudantes foram mal planeados pelo próprio capital, excedendo-se na sua própria produção. E agora, tentam convencê-los a continuar a investir num sistema que os precariza, aliena e os transforma em instrumentos de uma lógica que os explora.
