As 50 pessoas mais ricas de Portugal têm um património que corresponde a cerca de 17% do Produto Interno Bruto português. Ao mesmo tempo, há pessoas a recorrer à auto-construção e às ocupações para não dormir ao relento. A resposta das autoridades é mais despejos e demolições, nessa ânsia genuinamente cruel de diabolizar a pobreza. Acresce que há pessoas, como a Ana Paula, que depois de verem a sua casa destruída, ficam em risco de perder o bebé recém-nascido por não conseguir pagar uma casa com o salário.
Para o governo, tudo isto é irrelevante. À Ministra do Trabalho claramente não chateia, até acha que a resposta à crise de habitação e de custo de vida “não é da competência do Governo”. Mas os preços das casas aumentam e batem recordes em janeiro, quem trabalha perde poder de compra, e o povo acaba esmifrado enquanto aqueles 50 têm um património coletivo de 45 mil milhões de euros.
Os fenómenos climatéricos extremos também contribuem para adensar a desigualdade. Quem dorme na sua casa de tijolo durante o ciclone Martinho não sonha com quem vê as suas casas auto-construídas derrubadas, ou quem encontrou abrigo num leito de cheias por não ter outro recurso.
Fora de Portugal, mas não sem uma articulação interna, a vaga de extrema-direita (com sede renovada na Casa Branca) que toma de assalto a Europa contagia os partidos tradicionais da direita e do centro. Fazem-no com o apoio incontestável da oligarquia tecnológica que é produto do século XXI.
Aqueles que até assumiam o manto deturpado da “social democracia” nos tempos longínquos do keynesianismo, cometeram-se à longa marcha para a direita belicista. Os líderes europeus preparam-se para a guerra que querem fazer, indo buscar mais dinheiro ao Estado Social para o gastar em armamento.
Vão também buscar esse dinheiro à transição ecológica, prometida mas nunca cumprida. Sacrificam as futuras gerações pelo amor à bomba e pedem desculpa com essa contradição estimável de Peter Sellers em Dr. Estranhoamor. “Não digas que estás mais arrependido do que eu, porque eu sou capaz de estar tão arrependido como tu... Portanto, estamos ambos arrependidos, está bem?”
Um jogo triste enquanto o mundo se prepara para as catástrofes. É a imprevisibilidade da nossa realidade que empurra os mais vulneráveis para respostas extremas. Não saber se há comida no final do mês, não saber se tem casa no final do ano, não saber se começa guerra no final da década, não saber quando uma seca ou uma cheia vira a vida do avesso.
Por isso sublinho o mote que Emma Forreau, eurodeputada da França Insubmissa, veio trazer ao Encontro Ecossocialista do Bloco de Esquerda. “Fim do mês, fim do mundo, a mesma luta”, disse. Não se faz essa ligação sem se pensar precisamente na instabilidade e imprevisibilidade que o capitalismo tardio impõe. E não se pensa na solução para um problema sem se pensar para o outro.
Contra a instabilidade sócio-económica, planeamento democrático. Contra a guerra, plano para a paz. Contra a crise climática, planificação ecológica. É essa a lição que o ecossocialismo impõe. A desobediência aos mercados enlouquecidos pelos lucros já não é uma reivindicação distante, é uma necessidade para reduzir emissões de gases com efeito de estufa e impedir a degradação dos nossos ecossistemas, mas também para garantir um fim à exploração e à acumulação de lucro. O ecossocialismo e a planificação ecológica no século XXI não podem ser uma miragem, são um manifesto pela estabilidade, pelo fim da desigualdade, e um projeto para mudar de vida.
