Por que não conhece a Madeira a sua história?

porDiogo Teixeira

01 de outubro 2025 - 22:08
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Poucos sabem que a nossa ilha foi palco de atentados bombistas e de uma organização que se intitulava de "libertadora", mas que não libertava ninguém. Por que é que esta história não é ensinada às novas gerações de madeirenses?

Perguntem a um madeirense que encontrem na rua o que é a FLAMA. A probabilidade dessa pessoa saber que FLAMA significa Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira é diminuta. Poucos sabem que a nossa ilha foi palco de atentados bombistas e de uma organização que se intitulava de "libertadora", mas que não libertava ninguém. Há uma parte da nossa história que está esquecida e que não é ensinada nas escolas. Em conversa com camaradas do Bloco de Esquerda, especialmente com aqueles que viveram a Madeira em ebulição após o 25 de Abril, chegámos à conclusão de que são poucas as pessoas que conhecem a história dos atentados bombistas, e ainda menos as que sabem que esta terra foi, durante anos, um reduto do fascismo. Também em conversas com colegas, estes sem qualquer ligação à política, perguntei-lhes se sabiam que existiu uma organização separatista e paramilitar que operou de forma ativa no nosso território. A verdade é que nenhum deles sabia da existência, sequer ouvira falar da FLAMA. E isto tem razão de ser.

Mas antes de passar a essa reflexão, para quem não é versado na história da Região Autónoma da Madeira, a Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira foi uma organização separatista e paramilitar, como já referi anteriormente, que perpetrou inúmeros ataques terroristas na região, especialmente ataques bombistas. E esta organização fascista tinha como objetivo a independência do arquipélago relativamente ao restante território nacional. Mas esta vontade de separação e de "libertação", como assim era denominada, tinha uma razão de ser. É sabido que o 25 de Abril tinha ocorrido há pouco tempo e temiam os fascistas a possibilidade do fim do regime fascista que promovera as elites madeirenses através da subjugação do povo. Precisamente por acharem que no continente poderia existir um governo de esquerda, que poderia emergir um projeto socialista, é que estes grupos fascistas na Madeira procuraram a "libertação". Que de libertação não tinha nada, porque não procurava libertar o povo, não libertava as pessoas das correntes opressoras, do trabalho, da pobreza. Era apenas uma frente de "libertação" do Arquipélago da Madeira perante o possível socialismo que ameaçava entrar por Portugal. E o fascismo madeirense não estava para aturar o socialismo, ainda que pouco real e que nunca chegou a acontecer no território continental.

Ao longo de vários anos, nomeadamente após o 25 de Abril, esta organização levou a cabo mais de 70 ataques bombistas. Eram abertamente anticomunistas e abertamente antissocialistas.

Mas a pergunta que devemos fazer é por que é que esta história não é ensinada às novas gerações de madeirenses? Ora, direi apenas que as informações que passarei de seguida são alegadas, porque não quero ser alvo de qualquer tipo de processo por difamação, apesar de existirem inúmeras fontes ainda vivas que viveram esses tempos e que confirmam a veracidade dos factos que passo a relatar. É sabido que vários integrantes de governos do PSD Madeira, tanto atuais como, sobretudo, antigos governantes, eram também eles integrantes desta organização bombista que levou a cabo vários atentados não só na ilha da Madeira como no Porto Santo. Sendo um deles o mais famoso, alegadamente, Alberto João Jardim, exatamente o líder supremo da Região Autónoma da Madeira, que governou a ilha durante cerca de 30 anos consecutivos. Alberto João Jardim é, segundo muitas daquelas que são as testemunhas ainda vivas desses tempos, um ávido militante da FLAMA. E não surpreendem as ligações e semelhanças entre os discursos desta organização e os discursos independentistas de Alberto João Jardim, até mesmo quando chamava os continentais de "cubanos" por terem tido governos do Partido Socialista, numa clara alusão, ainda que estapafúrdia, ao socialismo em Cuba.

Deixo até este desafio aos leitores: pesquisem na internet a bandeira da FLAMA e a atual bandeira da Região Autónoma da Madeira e vejam as claras ligações. Perceberão também por que muitos militantes da esquerda na Madeira, principalmente os mais antigos, se recusam a empunhar a bandeira da nossa região. É claramente uma bandeira que traz ao de cima todo aquele passado obscuro que Portugal viveu, porque é a representação da luta fascista na Madeira. Principalmente a luta fascista contra a esquerda e contra a democracia, já que este grupo era também uma frente contra a nossa recém-fundada democracia. Democracia essa que fez da Madeira a região que é hoje, que fez com que a Madeira deixasse de ser tratada como uma colónia e pudesse finalmente ver respondidas as suas necessidades. Foi ela que trouxe a nossa autonomia política. Foi ela que trouxe a nossa Assembleia Legislativa Regional. Foi ela que trouxe a realidade que temos hoje em dia. Era contra isto que a FLAMA lutava. Tudo em nome de um projeto bafiento, um projeto que caíra no continente às mãos dos capitães de Abril, mas que na Madeira tardara a chegar. E aproveito para lançar a dúvida: será que alguma vez este projeto de democracia realmente chegou à Madeira? Hoje, ainda existem ecos desse passado, e a memória desta luta pela democracia continua a ser ignorada ou minimizada por interesses políticos.

Depois desta revelação, conseguimos perceber por que esta história não é ensinada às novas gerações de madeirenses. Não é ensinada porque não convém. Não convém dizer que integrantes do governo do PSD estiveram ligados a estas milícias. Não convém dizer que aqueles que hoje disputam votos nas eleições foram, no passado, opositores da democracia que temos hoje. Mas parece-me que é nossa responsabilidade, especialmente da esquerda — que foi quem combateu estes terroristas, quem sofreu com as suas ações e quem lutou pela democracia na Madeira — contar esta história. É a história da Madeira. A história de uma terra de democracia imperfeita, de "democratura", se quisermos, mas é também a história de um território que não se quis libertar totalmente do fascismo e que nunca abraçou plenamente a democracia. E é precisamente por essa busca por uma democracia que finalmente se consolidou na Madeira que a esquerda deve garantir que estas memórias sejam conhecidas e difundidas. Conhecer a nossa história é assumir a responsabilidade de não repetir os erros do passado. É lembrar quem lutou pela democracia e garantir que o fascismo, mesmo em formas subtis, nunca volte a ganhar espaço na nossa ilha.

Deixo como sugestão de leitura o livro Achas na Autonomia: Viagem ao Interior da FLAMA, de Luís Calisto. Trata-se de uma obra que relata toda esta história. Quem tiver oportunidade, encontrará nesta leitura um excelente recurso para compreender uma das particularidades muitas vezes esquecidas da Região Autónoma da Madeira.

Diogo Teixeira
Sobre o/a autor(a)

Diogo Teixeira

Licenciado em línguas e relações empresariais. Membro da CNJ, da comissão coordenadora e dos jovens do Bloco Madeira. Atualmente, trabalha como especialista em marketing e publicidade (estagiário). Mestrando em gestão pela Universidade da Madeira
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