Definido como “figura intelectual emergente” da “galáxia trumpista”, Curtis Yarvin elaborou um projeto político definido como “neo-reacionário” no qual propõe o “fim da ideia democrática a estruturação de um governo à semelhança de uma empresa dirigida por um monarca absoluto”.
Na sequência da primeira eleição de Donald Trump, explica Arnaud Miranda, emergiu a designada “neoreação”, também designada pela expressão “Dark Enlightenment” (Luzes Sombrias), um movimento intelectual que seria a inspiração secreta da nova administração.
Na liderança deste movimento o bloguer Curtis Yarvin, próximo de Peter Thiel, de Marc Andressen (bilionário e conselheiro informal do Presidente), e de quadros políticos como J. D. Vance e Michael Anton.
“Desta forma”, revela o autor, “Yarvin terá favorecido a ascensão política de Elon Musk e estará designadamente na origem do ‘plano Gaza’”.
Uma corrente que deverá ser considerada como uma efetiva contracultura intelectual, prossegue o autor do texto. A sua origem provém da internet através de blogs e colóquios, e pelo “encontro virtual entre “duas figuras decisivas”, Curtis Yarvin e o britânico Nick Land (nasceu em 1962), o “pai do aceleracionismo” (accelerationism).
Assim, em abril de 2007, Yarvin, um engenheiro norte-americano hoje com 52 anos, lançou o blogue Unqualified Reservations sob o pseudónimo de Mencius Moldbug. O seu primeiro texto, “Um Manifesto Formalista”, vai anunciar um programa político. Afirma-se um “libertário” desiludido, defende a limitação ou destruição do Estado em prol de um liberalismo desregulado e considera a democracia “essencialmente ineficaz e destrutiva”.
Define-se ainda como “neo, pós ou ultrarreacionário”. E a neoreação, precisa Arnaut Miranda, torna-se um movimento intelectual a partir de 2010.
Decisivo na consolidação da sua “nova ideologia” terá sido o encontro com as ideias de Nick Land, antigo filósofo da universidade de Warwick, um acérrimo crítico do “miserabilismo” de uma esquerda que “tenta sem sucesso conter os efeitos nefastos do capitalismo, que deverá ser acentuado”.
O seu “aceleracionismo” incondicional condu-lo a adotar uma posição pró-capitalista e interessar-se pelo pensamento de Yarvin, explana o artigo.
Na sua aposta em “construir uma nova ideologia” Yarvin depara-se com uma questão fundamental, a eficácia dos sistemas políticos. E vai concluir que a política “é uma luta entre a ordem e o caos e onde ‘o bem é a ordem’”.
Para estes novos teóricos da direita extrema, pobreza ou aquecimento do planeta permanecem questões insignificantes. O principal objetivo consiste em “fortalecer a ordem existente”.
Nesta perspetiva formalista, Yarvin define os EUA como “uma gigantesca empresa absorvida pela sua ineficácia, com agentes políticos condicionados por uma mística democrática e obsessão de justiça social”.
Em consonância, sugere o fim da ideia democrática e uma reestruturação do governo à semelhança de uma empresa dirigida por um presidente de conselho de administração (PCA), que poderá ser substituído por outro caso demonstre ineficácia. Uma proposta que sugere o restabelecimento da monarquia absoluta, alerta Arnaud Miranda. Yarvin vai assumir-se como “realista” ou “restauracionista” e considerar que o PCA governo-empresa deve comportar-se como um monarca.
Esta abordagem provém da admiração do teórico do trumpismo face ao designado “cameralismo”, uma teoria de governo e administração pública que conheceu o auge no reinado de Frederico II da Prússia (segunda metade do século XVIII) e focalizada no aumento da prosperidade económica do Estado.
Assim, Yarvin considera a monarquia uma forma política extremamente estável, ao contrário da democracia, e elege as cidades-Estado como Dubai ou Singapura protótipos de futuros Estados “neocameralistas”.
No seu esclarecedor artigo, Arnaud Miranda alerta ainda para a necessidade de evitar confundir os conceitos de neoreação, conservadorismo, “alt-right” e “aceleracionismo”
Apesar de defensor da ordem, como precisa o académico francês, o pensamento de Yarvin não é um simples pensamento conservador “ao não promover a preservação de valores morais ou religiosos (apresenta-se como ateu ou não teísta)”.
O ideólogo trumpista também fustiga os conservadores, que à semelhança dos progressistas são “incapazes de pensar o poder tal como é” e permanecem “consubstancialmente presos à democracia”. Pelo contrário, o seu pensamento traduz-se numa vontade de “dissolver a política numa engenharia económica autoritária” (e que explica o seu elogio à prosperidade e à ‘ausência de política’ em Singapura, Dubai ou Hong Kong).
O académico Arnaut Miranda, que preparou uma tese sobre “pensamentos contemporâneos da decadência”, sublinha que, apesar de partilharem a recusa do conservadorismo tradicional, neoreação e alt-right não devem ser confundidas.
“A alt-right é popular, de tendência suprematista, com a ideia clara de uma superioridade racial branca. A neoreação é essencialmente formalista e elitista. Os neoreacionários desprezam o populismo como sendo fundamentalmente democrático: qualquer alteração política terá de vir de cima”. Mas são duas estratégias que podem convergir estrategicamente, sustenta. “Yarvin demarca-se dos suprematistas, mas diz que os lê com atenção”.
Por sua vez, a neoreação é assimilada por vezes ao “aceleracionismo” devido às ligações com Nick Land, “que é um aceleracionista antes de ser neoreacionário”. Se considera a neoreação como um instrumento eficaz de destruição do “grande mecanismo de travagem” que é o progresso esta irá, contudo, permanecer um “aceleracionismo com um pneu furado”.
Apesar de se ter tornado popular devido à contribuição de Land, o teórico do trumpismo mas não o cita “e permanece permeável a uma perspetiva aceleracionista”. Arnaud Miranda conclui: “O pensamento neoreacionário é antes de tudo um pensamento da ordem”.
