Nas eleições legislativas anteriores, o Chega ganhou no Algarve e passou a eleger no distrito de Beja, onde o PCP deixou de ter representação. A eleição dos 50 deputados marcou uma viragem política nacional, mas a nível regional significou uma perda histórica de terreno político à esquerda. A desmemória dos mais novos juntou-se ao desalento dos mais velhos.
O jornal Expresso fez uma reportagem interessante no rescaldo das eleições a caracterizar o Algarve: menos habilitações, mais pobreza e desigualdades, mais imigração e trabalho precário. Este levantamento impressionante ajudou a explicar o crescimento do Chega regionalmente. Infelizmente, não fez um trabalho semelhante para o distrito de Beja.
A explicação, confirmada ao longo desta campanha através de muitas conversas no porta-a-porta e pelas ruas, é o sentimento disseminado de abandono. A falta de investimento público neste distrito, muito extenso e com largas distâncias entre as povoações, provocou uma falta de acesso a infraestruturas básicas como hospitais e centros de saúde (com todos os cuidados), escolas em quantidade e com uma oferta curricular sólida, universidade, centros culturais e de formação, etc. De tudo, a principal queixa é a dificuldade atroz na mobilidade das populações, em circular entre municípios e para outros distritos. Falamos da fraca qualidade das estradas, da falta de oferta suficiente de autocarros e da quase inexistência de comboios em toda a região.
Este engarrafamento resulta de um modelo de mobilidade começado por Cavaco Silva, continuado por Passos Coelho e mantido pelos governos do Partido Socialista. Numa lógica de consolidação orçamental, o Estado despediu-se de garantir o transporte coletivo da população. Fecharam-se linhas ferroviárias entendidas como pouco rentáveis e apostou-se na construção de auto-estradas geridas em Parcerias Público-Privadas. O transporte deixou de ser entendido como um bem público e passou a ser um negócio com rendas muito lucrativas para os privados.
Este modelo levou a que, atualmente, a nossa linha ferroviária tenha os mesmos quilómetros que em 1893. Temos uma rede pouco densa, que se expressa em 2,8 kms por cada 100 kms. Países que têm uma dimensão comparável, como a Holanda e a Bélgica, têm, respetivamente, 7,4 e 11,8. Enquanto isso, somos o segundo país da Europa com maior rede de auto-estradas por habitante na Europa.
Especificamente no distrito de Beja, Cavaco Silva fechou o ramal de Moura em 1990 e o ramal de Aljustrel em 1993. O primeiro tinha uma extensão de 54 kms e assegurava a ligação diária de Moura a Beja, servindo ainda as povoações de Brinches e Pias, no Concelho de Serpa, e de Quintos, Baleizão e Neves, no Concelho de Beja. O segundo servia como transporte do material da exploração da mina de Aljustrel, levando a que agora seja transportado por camiões por estradas nacionais e, consequentemente, à sua danificação.
Já Passos Coelho, na sua feita austeritária, fechou a linha Beja-Funcheira (conselho de Ourique) em 2012. Servia como ligação direta da capital de distrito ao Algarve, mais precisamente Faro, e passava por várias estações intermédias, funcionando como uma redundância da linha do Sul.
Estas sucessivas escolhas, incluindo a falta de vontade de as reverter, como a ausência de propostas para o Baixo Alentejo no Plano Ferroviário Nacional de Pedro Nuno Santos, contribuem para sedimentar um modelo económico da região que não serve os interesses de quem cá vive.
Na divisão funcional do capitalismo português, calhou sempre ao Alentejo ser a principal fonte da matéria-prima. O ativo é a terra em si. No fascismo foi o latifúndio, agora são os grupos financeiros como a De Prado e a Jerónimo Martins que recorrem a plantações intensivas e superintensivas. Os dois têm em comum o monopólio de grandes porções de terra e uma alta exploração do trabalho em regime de sazonalidade, sendo agora os imigrantes os mais explorados e vulneráveis. A falta de mobilidade também serve assim para não dividir a terra e esconder o pior que aqui se faz, alimentando a incompreensão e o ódio.
Por detrás do sentimento de abandono de uma população, visceral e pouco racional, está o fracasso social da austeridade e a apropriação de riqueza por uns quantos. Sempre foi assim.
A esquerda mantém-se viva e como força alternativa se for capaz de identificar os assuntos concretos que desvendam as lógicas maiores de acumulação e exploração. A aposta na ferrovia é uma causa simples e mobilizadora, uma boa plataforma para engajar conversas e tocar precisamente nesse sentimento. Utilizemo-la a nosso favor.
