Temos todos ouvido o descaramento do Presidente da Câmara Municipal de Loures, vergonha é coisa que não mora ali. Segundo ele, a Câmara tem feito tudo para ajudar os que deixaram de ter tecto. E a culpa é desses moradores que não cooperam com os serviços camarários e não compreendem as medidas bondosas da Câmara. Em última análise, a culpa é do Vida Justa. É preciso muito desaforo, mas ainda bem que aponta o dedo ao Vida Justa porque assim fica muito clara a des-sintonia existente. Ficamos todos a saber a cartilha pela qual lê. Branco é, galinha o pôs.
Foi com verdadeira repulsa que ouvi as explicações de Ricardo Leão, mas a indignação não se ficou por aí. Como é que o PS ainda tem cara para defender o autarca? Verdade que houve militantes socialistas que assinaram uma carta demarcando-se das posições do autarca em causa, mas vai havendo vozes com peso que têm a coragem de não o repudiar. É absolutamente urgente que se faça ouvir uma voz oficial de repúdio e de não aceitação da recandidatura de Ricardo Leão. O PS tomará o caminho que entender, mas convém que o defina quanto antes para que a cena política fique mais transparente. A falta de clareza nesta matéria pode revelar-se perigosíssima no escrutínio de Outubro.
Viver sem tecto é uma afronta a todos os princípios que enformam o estado social como a esquerda o entende e defende. Multiplicam-se as declarações e intenções, mas se não houver propostas concretas não iremos a lado nenhum e os votos não virão ter connosco. A esquerda tem de se afirmar e destacar da direita com propostas concretas, exequíveis e rápidas, nada de rodriguinhos.
No pós 2ª. Guerra Mundial, países como a Alemanha ou a Holanda ficaram reduzidos a escombros, foi preciso cuidar dos vivos, arranjar um tecto foi uma prioridade. Será muito difícil procurar na solução encontrada inspiração para resolver o problema gravíssimo com que nos defrontamos? Se tivéssemos sofrido um terramoto ou um tsunami, quais seriam as medidas a tomar? Não sofremos um abalo telúrico mas o abalo social em marcha adensa-se. Precisamos de muito mais do que dinheiro. Parece-me mais complicada a decisão já que as posições oscilam entre uma solução técnica intocável e politicamente conveniente e uma outra solução de emergência, talvez com falhas técnicas, mas que providenciará o tecto a que todos têm direito. A solução exprimirá uma clara vontade política sem jogos e oportunismos, com carácter provisório, mas com a enorme vantagem de ser rápida. Quem não tem tecto não pode ficar à espera de grandes planos de urbanização, gizado nos gabinetes, quase perfeito; à espera que a burocracia das câmaras se molde às necessidades presentes; a discussões infindas sobre PDM’s ou outros dispositivos legais óptimos para encanar a perna à rã. Não basta dizer que a construção pública tem de subir (20%? 40%? Mais?). Não basta falar de reabilitação imobiliária, uma migalha no meio deste tumulto. Tudo coisas lindas de dizer, mas e na prática, como ficamos?! Há autarcas que conseguiram na década de 90 inverter a situação desgraçada dos bairros de barracas, erradicaram o problema. Será muito complicado ir à fala com eles e perceber como fizeram? Tentar sacar da sua experiência algumas ideias que ajudem a resolver o caos actual?
Erradicar as barracas, dar um tecto às pessoas atiradas para essa degradação humana, não põe fim à pobreza, mas ajuda a melhorar a situação, é um começo, uma luz ao fundo do túnel. As pessoas ganham dignidade e os políticos mostram respeito. Porque, afinal é preciso mesmo mergulhar nesta outra agenda prática, eficaz, não confundindo ser e parecer. Se queremos melhores condições sociais, então, avancemos medidas muitas concretas para o curtíssimo prazo isolando os autarcas autoritários que não servem os interesses da comunidade. A agenda desses autarcas está nos antípodas do estado social. Não nos podemos deixar enredar por argumentos técnicos muito elaborados, ou deixar embaraçar por legislação que tudo prevê, mas que não é executada, ou por executantes que clamam tudo saber, mas se esquecem da razão dos seus próprios postos de trabalho imersos que estão na estrutura existente. As diferentes câmaras têm de falar entre si (câmaras limítrofes) e avançar com projectos transversais por causa dos terrenos disponíveis, para pensarem os transportes, as infraestruturas indispensáveis a cada bairro. Falamos de transformação de soluções e de novas atitudes, o que existe não provou, de que estamos à espera para implantar outras soluções?! O tempo corre contra a liberdade e a democracia e em Outubro o futuro vai a jogo.
