Lembro-me dos dias em que recitávamos poesia francesa de combate, um hábito que era um refúgio. Já lá vão mais de sessenta anos, era o que tínhamos; quando nos reuníamos em casa uns dos outros, havia um gira-discos, cada um trazia os discos que tinha, ouvíamos, recitávamos, líamos e decorávamos, à exaustão, apaixonados e convictos da nossa razão, Paul Éluard, Yves Montand, Louis Aragon, Georges Brassand, Mayakowski…. Sentados no chão, encostados à parede e uns aos outros, reuníamo-nos para estudar, mas aquelas ocasiões transformavam-se em escola viva e o que aprendemos marcou-nos para a vida. Já na faculdade, em tempos de crise académica, e em nome da liberdade, enchíamos anfiteatros para ouvir alguém denunciar, declamando. Aprendíamos assim o que era a liberdade, mãe de todas as lutas.
Alguns de nós destacaram-se nesta luta pela liberdade e pagaram caro essa convicção. Hoje voltam à luta porque os tempos clamam. Vamos mesmo ter de cerrar fileiras e responder à chamada. É mais difícil explicar que a liberdade está em risco de tal forma nos habituámos a ela. Respiramos liberdade e vivemos com ela, dentro dela, por enquanto respaldados por instituições que a regulamentam e vigiam, mas até quando? Apesar do aparente enraizamento, um princípio tão frágil e volátil. O melhor exemplo é mesmo olhar para o que se está a passar nos Estados Unidos da América porque aí passa-se da teoria à prática sem rebuço ou ética, e toda a gente percebe como gozamos um bem efémero. O que se está a acontecer nos EUA, claro, mas no seu alastramento insidioso para outros continentes. Cada dia que acordamos, de uma coisa podemos estar certos: os parâmetros do dia anterior já foram alterados, para pior. Como uma onda gordurosa e peganhenta que alastra e penetra nos nossos próprios territórios, mina comportamentos, altera perspectivas. Há rumores e pequenos sinais que indicam que a indignação já começou nos próprios EUA. Terá, talvez, mas aqui que cada um faça o que tem a fazer sem ficar à espera de que o vizinho resolva o problema. A perfídia atinge-nos a todos, não há mesmo tempo a perder, cada dia perdido significa um futuro mais sinistro.
Liberdade, desinformação e manipulação. Entre nós, em nome da defesa da liberdade, o governo de gestão vai insidiosamente falando em armamento. Com o argumento que produzir armamento não significa abraçar a guerra, o governo de gestão vai moldando a opinião pública anunciando que daqui a sete semanas (eleições legislativas) já se poderão aprovar medidas para incentivar a indústria militar. Manipula-se assim a opinião pública, vai-se fazendo a “caminha”, desinforma-se a opinião pública vendendo a ideia de que mais vale prevenir do que remediar e que, assim como assim, sempre se fomenta a industrialização e ganha algum, no seu conjunto, coloca-se mais uma pedra na grande batalha que é a de convencer a opinião pública que a liberdade está em perigo, e só se ganha, pegando em armas.
Como no passado, estes versos de Paul Eluard (1942) indicam-nos o caminho,
Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
