Indignidade e horror

porMaria Luísa Cabral

01 de agosto 2025 - 14:54
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As leis dos homens falharam, a desumanidade dita a sua lei. Vemos, vimos… calamos?! Não podemos ignorar.

Na Quinta do Talude, 14 de Julho, a mesma brutalidade a que assistimos há umas semanas. Polícias investidos de força, uma força de que farão uso sem hesitação, uma vereadora impávida perante a desgraça que semeia, gélida no cumprimento da lei, claro, segundo ela. Que lei é esta? Que país é este? Em que é que nos vamos transformando? Insidiosamente, cada dia um pouco mais do que construímos com o 25 de Abril vai para o lixo. Eu sei que a esquerda não aplaude, mas se não aplaude é tempo de avançar com propostas concretas para resolver o problema da habitação. Precisamos de soluções mobilizadoras e quando ouço os moradores destroçados, ou os seus representantes, eu ouço uma clareza e uma determinação que tarda em chegar a níveis decisórios partidários para já não falar governamentais. Com estes governantes não contamos, transformaram-se em hábeis e hipócritas manipuladores (ía-me a fugir a mão para outro vocábulo, mas parei a tempo).  Do meu ponto de vista, a comunicação tem falhado, é urgente perceber como ultrapassar as barreiras existentes na comunicação social, não quero dar palpites apenas sublinhar a urgência real em vencer essas barreiras. Na situação actual o acesso à comunicação social passa por um crivo muito fino, as causas da esquerda, a voz da esquerda é sistemática e deliberadamente ignorada. São raríssimos os casos em que se ouve a voz da esquerda, mas ela existe, está presente na Assembleia da República, os órgãos de comunicação social deveriam actuar de outra forma recusando passar a ferro vozes que, mesmo minoritárias, estão do lado da liberdade e da democracia.

Que diferença existe entre os polícias vestidos de azul celestial, de rostos fechados, brutalizados com capacetes, bastões e escudos, em formação militar, dos soldados israelitas que matam palestinianos desarmados em busca de um naco de comida? Na aparência, muito pouca; na execução de ordens que recebem, diferença nenhuma. Obedientes sem pestanejar, tudo temperado com uma desumanidade cruel, uma bestialidade que lhes deve ser incutida nas casernas. O pré importa. Alguma vez terão visto as fotografias dos militares em campanhas de carácter cívico no pós 25 de Abril? Alguém lhes explicou que a farda também pode estar ao lado de uma acção humanitária, cívica, companheira e solidária?

Quando vejo as imagens lancinantes que vêm de Gaza todos os dias, tudo destruído e esventrado, crianças que são apenas esqueletos, seres humanos mortos a tiro só porque procuram um pouco de comida, ainda por cima junto de uma ONG, não consigo deixar de pensar em Treblinka, Auschwitz, Bergen-Belsen… quando os prisioneiros eram levados para tomar um duche…haverá diferenças? Quais? Nesses anos de horror, eram os judeus os principais alvos; agora, são os judeus os algozes. A inversão de papéis é a única diferença. Com toda a indignidade, os judeus sionistas não aprenderam nada, odeiam quem não esqueceu e carregam um ódio secular, maldito. Os militares recebem ordens para matar e executam. Alguns há que questionam e denunciam, a medo, não é suficiente, mas honra lhes seja feita. Nada demove os sionistas ainda mais quando encontraram na administração norte-americana um preciosíssimo aliado e na titubeante hesitação europeia uma muleta muito valiosa. Todos os dias se levantam vozes a exigir o fim destas atrocidades e o reconhecimento do estado da Palestina, tudo inútil até agora. Apenas vamos averbando quem é quem.

Os trabalhadores que viviam nas barracas agora destruídas, onde vão dormir? Como vão orientar as suas vidas? A vereadora de Loures conseguirá dormir? O Presidente da Câmara de Loures, pisa tudo isto fazendo declarações em como a demolição vai continuar, não o afecta o clamor de vozes a condená-lo. Em verdadeira campanha eleitoral, está convicto que estas demolições lhe ganharão votos, será? E os ministros, estarão tranquilos? Discutirão entre si o resultado desta investida ignóbil? Ou somos só nós, eu e vocês que me lêem, que nos questionamos e envergonhamos?

Maria Luísa Cabral
Sobre o/a autor(a)

Maria Luísa Cabral

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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