Ao fim de doze dias desde o início dos ataques israelitas ao Irão, a resposta iraniana com mísseis contra alvos israelitas, o bombardeamento dos EUA às instalações nucleares do Irão e a retaliação deste contra uma base militar estadunidense no Qatar, todos clamam vitória nesta guerra. Donald Trump chegou a comparar os seus bombardeamentos a Fordow, Natanz e Isfahan com as bombas atómicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, clamando ter obliterado a capacidade nuclear iraniana e ter feito recuar em décadas o programa nuclear daquele país. Quando uma fuga de informação do Pentágono indicou que esse atraso seria provavelmente de apenas alguns meses, respondeu que isso eram fake news.
Benjamin Netanyahu também declarou ter conseguido uma “vitória histórica” ao conseguir neutralizar alvos militares e assassinar elementos importantes da liderança militar iraniana e cientistas responsáveis pelo programa nuclear. Mas o primeiro-ministro israelita passou em poucas horas de ver mais perto o seu sonho de uma mudança de regime no Irão, logo após a entrada em força da aviação dos EUA nesta guerra, à posição de ser admoestado publicamente por Trump após este anunciar o que a imprensa israelita chamou de “bizarro cessar-fogo” em que os beligerantes continuavam a bombardear-se mutuamente nas primeiras horas.
Por fim, o aiatolá Ali Khamenei, que não era visto desde o início da guerra, veio esta quinta-feira também ele declarar vitória sobre Israel, além do seu país ter dado “uma bofetada” aos EUA com os ataques à base militar do Qatar, dos quais o Irão deu conhecimento prévio tanto aos Estados Unidos como ao emirado. Ao não ceder à exigência de rendição incondicional que Trump chegou a exigir, Khamenei pôde apresentar-se como vencedor e ainda gabar-se de que os EUA só entraram na guerra “porque sentiram que se não o fizessem, Israel seria completamente destruído”.
Até ao cessar-fogo, o balanço das vítimas é de mais de 600 mortos e quase cinco mil feridos nos ataques israelitas ao Irão, com mais de nove milhões de pessoas a abandonarem as suas casas em Teerão e nas principais cidades. Em Israel, onde o exército diz ter intercetado a grande maioria dos 550 mísseis e mil drones lançados pelo Irão, contam-se 28 mortos e mais de três mil feridos, com cerca de nove mil pessoas obrigadas a abandonar as suas casas.
Ao longo das últimas semanas, o Esquerda.net publicou algumas análises das origens deste conflito, as contradições do regime autoritário dos aiatolás e a impunidade de Netanyahu no genocídio em Gaza e nos ataques ao Hezbollah libanês, agora estendidos a Teerão.
Neste dossier, juntamos algumas dessas análises a outras ainda não publicadas, com destaque para o artigo de José Manuel Pureza sobre o significado desta guerra que leva ao extremo o corte com o Direito Internacional e terá como resultado a “acentuação exponencial da erosão do regime da não proliferação nuclear”.
Publicamos também um resumo de Paulo Antunes Ferreira do debate organizado a 19 de junho pelo Bloco de Esquerda e transmitido online. onde participaram os especialistas em relações internacionais Daniel Pinéu e Marcos Farias Ferreira com moderação de Marisa Matias sobre as causas e consequências desta e doutras guerras, como as da Ucrânia ou da Palestina.
O artigo do investigador Ali Mamouri olha para a fragilidade do cessar-fogo anunciado por Donald Trump e para o que cada um dos lados ganhou e perdeu nesta guerra, prevendo que a pausa nas hostilidades não vá durar muito a não ser que se reabram negociações sobre as capacidades nucleares iranianas, um cenário que ficou mais afastado por causa da guerra.
Por seu lado, o economista Michael Roberts olha para o declínio do desempenho económico provocado pelas sanções a um país onde apesar da abundância de recursos naturais e de uma mão de obra relativamente qualificada, sente-se a falta de bens essenciais e a inflação ronda os 40%.
A socióloga belga-iraniana Firouzeh Nahavandi passa em revista as relações entre o Irão e Israel ao longo da história, lembrando a aliança estratégica no regime do xá e a mudança radical com o nascimento da República Islâmica e o desenvolvimento de uma polarização “em que cada lado instrumentaliza o outro para justificar a sua política interna e as suas ambições externas”.
O jornalista francês Jean-Pierre Perri olha para as oposições ao regime iraniano que atuam dentro e fora do país e para as divisões que levam os monárquicos a apoiarem os ataques israelitas e estadunidenses e as principais figuras dissidentes, como a Nobel da Paz Narges Mohammadi, a condená-los.
O escritor paquistanês e histórico ativista da esquerda Tariq Ali analisa o início da guerra e as suas ramificações na política de todo o Médio Oriente e critica o regime por não ter aprendido nada com a história do país no século passado, ao deixar entrar os inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica pensando que satisfaziam os EUA e assim ver-se-iam livres das sanções.
Em convergência com esta análise, também no início da guerra, o politólogo libanês Gilbert Achcar defendeu que “o regime do Irão “está numa alhada que ele próprio criou” com as suas ações que ficam sempre “a meio caminho” e contrastam com a retórica guerreira dos governantes.
Num contributo enviado ao Esquerda.net no início desta guerra, uma ativista iraniana refugiada em Portugal que assina cm o pseudónimo Gian dizia que “o povo iraniano é vítima de dois governos violentos” e criticava a imprensa internacional por apresentar mais uma vez Israel como vítima e não como agressor.
Dias depois, o jornalista iraniano Siavash Shahabi, refugiado na Grécia, dava a conhecer reportagens nas ruas devastadas pelas bombas israelitas e relatos de sobreviventes que viram a guerra chegar do céu, antes de concluir que tanto Israel como o regime dos clérigos olham para o povo iraniano como “uma ameaça a ser contida”, convergindo ambos nos seus sonhos em alcançar “o apagamento da sociedade”.
Noutro artigo, a cineasta negra iraniana Priscillia Kounkou Hoveyda fala no constante controlo sobre as narrativas no Irão, tanto por parte do governo autoritário como por parte de Israel.