Foi revelada uma falha massiva nos rastreios de cancro da mama na Andaluzia. Entre 2.000 mulheres, número adiantado pela Junta da Andaluzia, a 5.000, número calculado por sindicatos do setor da saúde e associações de pacientes, tinham tido um resultado “não conclusivo” nas mamografias que fizeram. Não lhes foi dado conhecimento atempado e não tiveram acompanhamento posterior, nomeadamente um segundo exame como seria suposto. Houve atrasos de meses e de anos no conhecimento de tais diagnósticos. E houve quem só soubesse de que tinha tido esse resultado depois de lhe ter sido confirmado um cancro da mama.
As fontes oficiais alegam que 90% dos casos dizem respeito à mesma unidade de saúde, o Hospital Virgen del Rocío, cujo chefe de serviço de radiologia e coordenadora para o cancro da mama já se demitiram. Também a conselheira de saúde do governo regional de direita, Rocío Hernández, acabou por se demitir mais tarde.
A denúncia da situação veio da Amama, Associação de Mulheres com Cancro da Mama de Sevilha. Esta insiste que os problemas são estruturais, não acontecem exclusiva nem principalmente no Hospital Virgen del Rocío e duram há anos, tendo piorado sobretudo com a pandemia. Quando trouxeram a público o caso, Rocío Hernández tinha-as chamado de “alarmistas” e garantido que havia apenas “três ou quatro” situações.
Agora, há uma investigação a correr no Ministério Público da Andaluzia que solicitou ainda à administração de saúde informação sobre medidas adotadas “para a reparação do dano causado às vítimas e sobre a prevenção de factos futuros semelhantes.” A Junta anunciou que tinha chamado as mulheres em causa para uma segunda mamografia, a realizar antes de 15 de novembro, mas a Amama, com base no conhecimento que tem do terreno, duvida do anúncio.
Uma das últimas queixas à justiça veio precisamente desta associação e foi apresentada na terça-feira, dando conta que várias pacientes descobriram que desapareceu informação relevante do seu historial médico disponível online na aplicação ClicSalud+, o que pode corresponder a obstrução à justiça e encobrimento. Resultados de rastreios estiveram desaparecidos, assim como o nome do radiólogo e havia discrepâncias entre o resultado que aí constava e o que estava na plataforma Diraya, que deveria ser o mesmo.
O departamento de Saúde regional justificou-se entretanto com uma “saturação do sistema” que teria implicado “falhas involuntárias” no acesso a dados de saúde por parte dos pacientes.
Milhares de mulheres recorreram a esta aplicação para tentar perceber se poderiam estar entre as afetadas, ou seja se as mamografias que tinham feito tinham tido resultado “suspeito”, “duvidoso” ou “não conclusivo”.
A Amama juntou ainda à sua queixa documentos particulares em que se mostrava que, há duas semanas, depois do escândalo rebentar, em alguns historiais clínicos online surgiam termos como “suspeito” e “duvidável”, agora nos mesmo casos tinha passado a constar a expressão “provavelmente benigno”.
A “ansiedade” e a “opacidade” como justificações da direita andaluza
Depois de conhecido o caso, o presidente da Junta da Andaluzia, Juanma Moreno Bonilla, do Partido Popular, também contribuiu para aumentar a indignação quando em resposta aos jornalistas falou num suposto “protocolo” para justificar o sucedido. Disse que “quando há algum possível indício de futuro o que fazem [os médicos] é não introduzir um elemento de ansiedade no paciente”. “Então decide-se não dizer nada ao paciente e fazem-se exames posteriores”.
Há sete anos no poder, o líder andaluz atacou noutra ocasião a “opacidade” do Serviço Andaluz de Saúde que “não funciona de maneira eficiente”. Diz que “a informação não chegava onde tinha que chegar porque o SAS tem uma estrutura opaca: às vezes parece que não chegámos ao século XXI”.
Acabou mais tarde por obrigar a demitir-se a conselheira de Saúde e anunciou medidas urgentes, para além de chamar as mulheres para um novo diagnóstico, como já se referiu, também se fala na contratação de mais profissionais de saúde.
Os sindicatos da saúde querem por seu lado saber porque é que 23 dias depois da primeira admissão de uma “falha” por parte da Junta, continua por se identificar em que consistiu. Olham também para o “plano de choque” apresentado pelo governo regional como “irreal”.
O assunto finalmente foi ao parlamento regional, mas não houve respostas
O El País conta como “depois de dois e meio a vetar um debate geral sobre saúde no Parlamento andaluz”, o governo regional acabou por concedê-lo durante duas horas esta quarta-feira. O novo conselheiro do setor, Antonio Sanz, apenas com oito dias de cargo, refugiou-se em anúncios gerais, continuou sem avançar explicações sobre o sucedido, não respondendo às questões insistentes da oposição sobre o caso dos diagnósticos. Moreno, esse, ouviu a intervenção inicial e depois saiu para só voltar na altura das votações.
A oposição em peso criticou que Moreno no passado domingo, dia mundial do cancro da mama, tenha preferido estar na tourada da Feira de Jaén a dedicar-se ao combate à doença. E denunciou que sete anos depois de estar no poder, Moreno se posicione como se não fosse responsável de nada e o PP fale mesmo na chegada a partir de agora de uma “nova era” para a saúde andaluza.
Inma Nieto, do Por Andalucía, coligação que junta a Esquerda Unida, o Mais País, os Verdes Equo, a Iniciativa do Povo Andaluz e conta com apoio do Podemos e da Aliança Verde Andaluzia, questionou: “sete anos no poder, três anos com maioria absoluta, e agora querem meter o conta-quilómetros a zero. É mentira que ninguém tenha avisado as mulheres de que os seus testes eram inconclusivos?”
Falou ainda na “estratégia calculada de fortalecimento da saúde privada através do debilitamento continuado do sistema público de saúde”, exemplificando com os vários “planos de choque” anteriores na área aumentaram contratos com os privados como nas medidas para as listas de espera.
Juan Ignacio García, do Adelante Andalucía, partido de esquerda local criado entre outros por Teresa Rodríguez depois da derrocada de uma experiência unitária à esquerda do PSOE, acrescentou por seu turno que “estamos a assistir ao colapso do SAS. Estamos a ver apenas a expressão mais externa e dolorosa disso”.
María Márquez, do grupo parlamentar socialista, insistiu igualmente na ideia de destruição do serviço público: “votaram contra este debate 48 vezes enquanto desmantelavam a saúde pública”, ou seja, ao mesmo tempo que cresceram os pacientes à espera de cirurgia, que há falhas no fornecimento de quimioterapia, que a região tem “a maior taxa de mortalidade” e a “menor taxa de médicos e camas públicos por habitante”.
O que significa o “não conclusivo”
Os rastreios do cancro da mama na Andaluzia abrangem as mulheres entre os 49 e os 71 anos. Os resultados enquadram-se em três categorias: positivo, negativo e “não conclusivo”. Em causa estão as situações enquadradas na terceira categoria que é suposto resultarem num segundo exame. As estatísticas apontam para que em 98% dos casos o tumor descoberto é “provavelmente benigno”, em 2% poderá ser maligno.