Alterações climáticas

A gentrificação climática já chegou a Espanha

26 de outubro 2025 - 21:07

Integrar o risco climático nas políticas urbanas será essencial para garantir sustentabilidade, equidade e resiliência num contexto de aumento do calor e desigualdade territorial. O que for feito hoje fará a diferença no valor económico, social e humano das habitações amanhã.

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Simón Sosvilla-Rivero, Adrian Fernandez-Perez e Marta Gómez-Puig

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San Javier, em Múrcia, Espanha.
San Javier, em Múrcia, Espanha. Foto de Mark Owen/Flickr.

Espanha sofreu a sua segunda maior onda de calor alguma vez registada em agosto de 2025. Este facto reforça a crença de que as alterações climáticas já não são uma ameaça longínqua: estão aqui, afetando as cidades, a saúde e até o preço dos imóveis espanhóis.

Um estudo académico que realizámos recentemente oferece uma visão reveladora de como as altas temperaturas estão a afetar o mercado imobiliário espanhol e a transformar o valor dos imóveis.

Calor Extremo e Valor Imobiliário

Através de uma análise rigorosa dos preços de venda e de arrendamento publicados no idealista.com nas 47 capitais de província da Península Ibérica entre 2009 e 2024, constatámos que o calor extremo afeta o valor dos imóveis.

Cada dia adicional com temperaturas máximas acima dos 35°C traduz-se numa descida de 1,40 € por metro quadrado no preço de venda e numa descida de 0,0059 € por metro quadrado no preço de arrendamento dentro da mesma província. Se traduzirmos isto em números mais concretos, para uma casa média de aproximadamente 120 metros quadrados – e tendo em conta que existiam aproximadamente 700.000 casas para venda ou arrendamento em Espanha em 2024 – isto representaria uma perda de aproximadamente 117,6 milhões de euros por ano em vendas e meio milhão de euros por ano em rendas para os proprietários.

Quem ganha com o calor?

De acordo com o nosso estudo, a resposta está fora das províncias mais sufocantes. As regiões vizinhas, especialmente as mais frescas, beneficiam com o calor alheio: os preços de venda aumentam até 2,80€ por metro quadrado e as rendas cerca de 0,012€, gerando um lucro de cerca de 235 milhões de euros por ano em vendas e 1 milhão de euros em rendas para os proprietários. Em suma, o calor reduz o valor em algumas áreas, mas aumenta-o noutras.

As regiões espanholas mais frescas beneficiam das ondas de calor noutras regiões, com o aumento das vendas de imóveis e dos preços das rendas.

Esta deslocação de valor, que associamos a padrões de migração climática interna, tem profundas implicações para o futuro do planeamento urbano, do investimento imobiliário e do ordenamento do território. Estamos perante uma nova forma de gentrificação climática? As regiões mais frescas tornar-se-ão os novos polos de atração residencial? O estudo sugere que sim, e que este processo já está em marcha.

Habitação, alterações climáticas e economias locais

O mercado imobiliário é um barómetro sensível ao risco climático. Em países como os Estados Unidos ou a China, já foram documentadas quebras de valor em áreas expostas a furacões, incêndios ou inundações. Em Espanha, o calor extremo está a surgir como um fator silencioso, mas persistente: não destrói imóveis imediatamente, mas corrói a sua atratividade e valor a médio prazo.

Esta descoberta liga-se à ideia de que os mercados financeiro e imobiliário não são imunes às alterações climáticas. Pelo contrário, são uma ponte através da qual o risco climático se infiltra na economia real e, em última análise, impacta diretamente os bolsos dos cidadãos. Quando os preços das habitações descem numa região devido ao calor excessivo, não só os proprietários perdem, como também as receitas fiscais municipais, os investimentos em infraestruturas e a coesão social.

A deslocação da procura para províncias mais frescas reflete um fenómeno a que os investigadores chamam “migração climática”. Embora tendamos a associar este conceito a movimentos internacionais, ele também ocorre dentro do mesmo país. Em Espanha, o calor extremo pode acelerar o êxodo populacional das zonas do sul e do interior para as regiões do norte ou de maior altitude, onde a qualidade de vida é percebida como mais sustentável.

O nosso estudo destaca que estes movimentos não são apenas demográficos, mas também económicos: os fluxos de capital imobiliário seguem a mesma lógica. Onde se prevê um clima mais ameno, prevê-se também um maior investimento, o que poderá pressionar os preços e, consequentemente, dificultar o acesso da população local à habitação, reduzindo, em última análise, a equidade social.

O futuro da habitação em Espanha

O futuro do mercado imobiliário será resiliente e sustentável, ou simplesmente não será. O calor extremo já está a deixar marcas nos preços das habitações em Espanha e continuará a fazê-lo com intensidade crescente nos próximos anos.

A questão não é se o clima vai afetar o mercado, mas como responder a esse desafio: com políticas adaptativas que promovam a equidade e a sustentabilidade, ou com a inação que aprofunde as desigualdades e gere perdas económicas.

O nosso estudo alerta que as alterações climáticas irão transformar o mercado imobiliário espanhol, afetando os preços, o investimento e o acesso à habitação.

Integrar o risco climático nas políticas urbanas e nas estratégias financeiras será essencial para garantir a sustentabilidade, a equidade e a resiliência num contexto de aumento do calor e de desigualdade territorial.

Tal como as suas cidades, o mercado imobiliário espanhol está na linha da frente das alterações climáticas. E o que for feito hoje fará a diferença no valor económico, social e humano das habitações amanhã.


Simón Sosvilla-Rivero é professor de Análise Económica na Universidade Complutense de Madrid.

Adrian Fernandez-Perez é professor de Finanças no University College de Dublin.

Marta Gómez-Puig é professora de Economia na Universidade de Barcelona.

 

Texto publicado originalmente no The Conversation.