Autodeterminação do Sahara Ocidental é a única opção para paz duradoura

31 de outubro 2023 - 10:11

Neste dia 31 de outubro de 2023, passam quarenta e oito anos desde que as forças marroquinas penetraram no então Sahara espanhol, dando origem a um dos mais longos conflitos em África. Pelo embaixador Sidi M. Omar, representante da Frente Polisário nas Nações Unidas.

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Foto publicada pela Associação de Amizade Portugal Sahara Ocidental.

A questão do Sahara Ocidental, conhecida como a última colónia de África, que está na ordem do dia das Nações Unidas como Território Não Autónomo desde 1963, continua por resolver. Por conseguinte, o povo saharaui continua a sofrer as múltiplas consequências da negação do seu direito fundamental e internacionalmente reconhecido à autodeterminação e à independência. A situação humanitária dos refugiados saharauis no sudoeste da Argélia e a repressão de que é vítima a população saharaui no Sahara Ocidental ocupado são também testemunho da negação persistente deste direito fundamental.

Neste dia 31 de outubro de 2023, passam quarenta e oito anos desde que as forças marroquinas penetraram no então Sahara espanhol, dando origem a um dos mais longos conflitos em África. Por conseguinte, é seguro dizer que as origens do conflito no Sahara Ocidental remontam a 1975, quando os vizinhos Marrocos e Mauritânia invadiram e ocuparam à força o território após a saída da potência colonial, a Espanha.

As causas do conflito são de duas ordens: em primeiro lugar, a ideologia expansionista do chamado "Grande Marrocos" e as reivindicações territoriais que Marrocos fez posteriormente aos seus vizinhos. Proclamado no final dos anos 50 pelo líder do partido ultranacionalista Istiqlal, pouco depois da independência de Marrocos em março de 1956, esta ideologia foi imediatamente adotada pela monarquia marroquina no poder como elemento central da sua política interna e regional.

Esta ideologia expansionista afirmava que o Sahara espanhol de então, toda a Mauritânia, uma grande parte do oeste da Argélia e mesmo São Luís do Senegal e uma parte do norte do Mali (incluindo Timbuktu) pertenciam historicamente a Marrocos. No âmbito do seu expansionismo, Marrocos demorou nove anos a reconhecer a Mauritânia como país independente e tentou ocupar pela força uma parte do deserto ocidental argelino em 1963.

Em segundo lugar, a crise de legitimidade interna que o regime no poder em Marrocos enfrentava, tendo em conta que o governo do rei Hassan II de Marrocos foi posto em causa por dois golpes de Estado em julho de 1971 e agosto de 1972. Embora o rei tenha sobrevivido às duas tentativas, o descontentamento crescente no país, nomeadamente no seio do establishment militar marroquino, tornou a situação ainda mais difícil para a monarquia. Para além do interesse crescente de Marrocos nos abundantes recursos naturais do Sahara Ocidental e do jogo geopolítico da Guerra Fria da época, a necessidade premente da monarquia de encontrar uma saída para as suas crises de legitimidade e para os seus crescentes problemas internos foi outra das razões que levaram Marrocos a invadir e ocupar o Sahara Ocidental.

Foto Gerald Bloncourt, publicada em https://www.bloncourt.net/pictures/polisario/

Dias depois das forças armadas marroquinas terem entrado no Sahara espanhol, a 31 de outubro de 1975, milhares de civis marroquinos atravessaram a fronteira, a 5 e 6 de novembro, com o objetivo de obrigar a Espanha a negociar a transferência do território para Marrocos. Em resposta à chamada "marcha verde", o Conselho de Segurança da ONU adotou por unanimidade, a 6 de novembro de 1975, a resolução 380 (1975), na qual o Conselho, em alíneas, deplorava a realização da marcha e apelava a Marrocos para que retirasse imediatamente do território do Sahara Ocidental todos os participantes na marcha.

Porque é que o Conselho de Segurança apelou a Marrocos para que retirasse imediatamente a sua marcha do território do Sahara Ocidental, e teria o Conselho atuado desta forma se tivesse reconhecido as reivindicações de Marrocos sobre o território? A resposta é simples.

Foto Gerald Bloncourt, publicada em https://www.bloncourt.net/pictures/polisario/

O Conselho de Segurança apelou a Marrocos para que retirasse do Sahara Ocidental todos os participantes na marcha, uma vez que os manifestantes marroquinos "violaram a fronteira do Sahara Ocidental e entraram ilegalmente em território estrangeiro", como sublinhou o representante espanhol durante a sessão do Conselho de Segurança. O ato ilegal levado a cabo por Marrocos implicava "a possibilidade de um conflito militar que ameaçava a paz e a segurança", como sublinhou o então presidente do Conselho de Segurança, o representante permanente da URSS. Em resposta, o Conselho de Segurança teve, portanto, de exercer os seus poderes no que diz respeito à manutenção da paz e da segurança internacionais, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, que proíbe a ameaça ou o uso da força contra qualquer Estado ou de qualquer outra forma incompatível com os objetivos das Nações Unidas.

Como era de esperar, a ocupação marroquina obrigou o povo saharaui, sob a direção do seu único e legítimo representante, a Frente Polisário, a prosseguir a sua luta de libertação iniciada contra o domínio colonial espanhol em 1973.

Foto Gerald Bloncourt, publicada em https://www.bloncourt.net/pictures/polisario/

Não há dúvida de que a presença contínua de Marrocos no Sahara Ocidental constitui uma ocupação à luz do Direito Internacional e do Direito Internacional Humanitário. Na alínea 5 da sua resolução 34/37 de 21 de novembro de 1979, a Assembleia Geral da ONU deplorou profundamente o agravamento da situação resultante da "ocupação contínua do Sahara Ocidental por Marrocos" e a extensão dessa ocupação ao território recentemente evacuado pela Mauritânia.

Na alínea 6 da mesma resolução, a Assembleia Geral da ONU exortou ainda Marrocos a aderir ao processo de paz e a pôr termo à sua ocupação do território do Sahara Ocidental. Na alínea 3 da sua resolução 35/19 de 11 de novembro de 1980, a Assembleia Geral da ONU declara-se novamente profundamente preocupada com o agravamento da situação resultante da "ocupação continuada do Sahara Ocidental por Marrocos" e da extensão dessa ocupação à parte do Sahara Ocidental que foi objeto do acordo de paz concluído a 10 de agosto de 1979 entre a Mauritânia e a Frente Polisário.

No contexto do mundo atual, é pertinente assinalar que o estatuto jurídico reconhecido de todos os Estados no sistema internacional se enquadra numa ou mais das seguintes condições: (a) são internacionalmente reconhecidos como soberanos sobre os seus próprios territórios, (b) reconhecidos pela Assembleia Geral da ONU como potências administradoras de Territórios Não Autónomos, ou (c) reconhecidos pelo Conselho de Segurança da ONU e pela Assembleia Geral da ONU como potências ocupantes de outros Países ou Territórios. O Conselho de Tutela das Nações Unidas suspendeu o seu funcionamento em 1 de novembro de 1994, após ter cumprido a sua missão, e atualmente não existem Protetorados administrados por outros Estados no âmbito do Sistema de Tutela.

No caso de Marrocos, nos termos da condição (a), as Nações Unidas e a comunidade internacional não reconhecem as reivindicações de soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental, ou seja, Marrocos não é soberano sobre o Sahara Ocidental; quanto à condição (b), a Assembleia Geral das Nações Unidas não reconhece Marrocos como potência administradora do Território Não-Autónomo do Sahara Ocidental; e no que diz respeito à condição (c), como demonstrado acima, a Assembleia Geral das Nações Unidas descreveu a presença de Marrocos no Sahara Ocidental como um ato de ocupação e apelou a Marrocos para pôr fim à sua ocupação do Território.

José Manuel Pureza
José Manuel Pureza

O Governo e o Sara Ocidental – um caso de incoerência

31 de maio 2023

Como diz o ditado, se parece um pato, anda como um pato e grasna como um pato, então é um pato. Tendo em conta os factos acima descritos, Marrocos não pode ser outra coisa senão uma potência ocupante no Sahara Ocidental, apesar dos esforços do regime marroquino e dos seus apologistas para convencer a comunidade internacional do contrário. Por conseguinte, quando as Nações Unidas e muitos países e organizações de todo o mundo descrevem Marrocos como uma potência ocupante no Sahara Ocidental, estão simplesmente a constatar um facto estabelecido.

É sabido que, sob os auspícios da ONU, ambas as partes do conflito, a Frente Polisário e Marrocos, acordaram oficialmente um plano de paz que incluía um cessar-fogo, que entrou em vigor em setembro de 1991, e um processo conducente à realização de um referendo sobre a autodeterminação. Com base no plano de paz, o povo do Sahara Ocidental escolheria, sem constrangimentos militares ou administrativos, entre a independência e a integração em Marrocos. Para esse efeito, em abril de 1991, o Conselho de Segurança criou sob a sua autoridade a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO).

No entanto, após 32 anos desde a criação da MINURSO, o referendo de autodeterminação do povo saharaui, que estava previsto para 1992, ainda não foi realizado, principalmente porque Marrocos renegou os seus compromissos com o referendo, obviamente por medo da escolha livre e democrática do povo saharaui.

Após quase trinta anos, o cessar-fogo que mantinha relativamente o status quo no Sahara Ocidental foi violentamente quebrado quando as forças marroquinas atacaram civis saharauis a 13 de novembro de 2020, obrigando a Frente Polisário a responder em legítima defesa. O ato de agressão de Marrocos não só pôs fim ao processo de paz da ONU no Sahara Ocidental, como também desencadeou uma nova guerra que tem o potencial de pôr em perigo a paz e a estabilidade na região.

Ao longo do tempo, a indiferença demonstrada pela comunidade internacional encorajou Marrocos a persistir nas suas políticas de anexação com o objetivo de consolidar a sua ocupação ilegal de partes do Sahara Ocidental através, por exemplo, da intensificação das políticas de colonização em violação do Direito Internacional Humanitário, que proíbe as potências ocupantes de transferirem a sua própria população para o território ocupado.

Obviamente, o povo saharaui nunca aceitará esta situação e continuará a sua luta, por todos os meios legítimos, para defender o seu direito à autodeterminação e à independência.

O carácter internacional do Sahara Ocidental enquanto questão de descolonização inscrita na agenda das Nações Unidas desde 1963 é inquestionável. Por isso, a questão que se coloca à comunidade internacional e ao mundo livre é a seguinte: deixam prevalecer a lógica da força no Norte de África e, assim, permitem que a ocupação militar de Marrocos em partes do Sahara Ocidental se mantenha impunemente, ou defendem os princípios do direito internacional que são fundamentais para manter a ordem, a credibilidade e a crença nas regras que regem as relações internacionais e, consequentemente, permitem que o povo saharaui possa exercer o seu direito à autodeterminação e à independência de forma livre e democrática.

Numa ordem internacional baseada em regras, a resposta deve ser muito clara, porque a lógica da força não pode ser uma opção. Como observado por vários comentadores, a ocupação marroquina do Sahara Ocidental destaca-se como uma das tentativas mais flagrantes de um Estado expandir o seu território pela força desde o final da Segunda Guerra Mundial. A única opção é, pois, defender os princípios do direito internacional e levar a bom termo a descolonização do Sahara Ocidental através da expressão livre, genuína e democrática da vontade soberana do povo saharaui no exercício do seu direito inalienável à autodeterminação e à independência.

Em conclusão, o exercício pelo povo saharauí do seu direito à autodeterminação e à independência através de um processo credível, livre e democrático é a única opção para alcançar uma solução justa e duradoura para o conflito no Sahara Ocidental. Afinal de contas, o direito à autodeterminação, na sua essência, tem a ver com o facto de as pessoas em causa fazerem uma escolha, e não com o facto de alguém fazer essa escolha por elas.


O embaixador Sidi M. Omar é representante da Frente Polisário nas Nações Unidas e coordenador com a MINURSO