Um relatório do InfluenceMap conclui que a Organização Internacional para a Aviação Civil da ONU, ICAO na sua sigla em inglês, foi “capturada” pelo poder das grandes empresas do setor com o objetivo de bloquear medidas contra a emissão de carbono. Recorde-se que esta instituição tem como funções consensualizar regras sobre a aviação internacional.
Prova disso é que numa recente reunião negocial da ICAO em fevereiro sobre “proteção ambiental” a proporção de delegados da indústria aeronáutica e seus lóbis era de 14 para um relativamente aos peritos ambientais. 31% por dos delegados presentes eram representantes das indústrias, desde as empresas de combustíveis fósseis ExxonMobil e Chevron até aos fabricantes Airbus e Boeing, e apenas 2%, pertenciam a grupos com preocupações ambientais. A grande maioria dos restantes eram representantes de países, apesar de oito de entre eles também ser funcionários do setor dos combustíveis fósseis e da aviação.
O documento é agora divulgado nas vésperas da assembleia magna do organismo que acontece a cada três anos e critica a “falta de transparência” deste, denunciando que as reuniões nas quais as políticas climáticas são decididas são à porta fechada e os seus participantes são até obrigados a assinar declarações em como não revelarão o que aí se passou. Esta opacidade, dizem os autores do relatório, favorece os grupos que se opõem à implementação de medidas fortes de combate às alterações climáticas.
Há três anos, na última assembleia deste tipo, o mesmo fenómeno de influência por parte da indústria já se verificava. Então, a proporção de delegados da indústria relativamente a grupos ambientalistas foi de dez para um.
Assim, Lucca Ewbank, especialista em transportes do InfluenceMap, vinca que “os lobistas da indústria continuam a dominar os processos de decisão na ICAO, recorrendo a reuniões à porta fechada para consolidar a sua influência. Para que o sector da aviação possa enfrentar o desafio existencial das alterações climáticas, a ICAO necessita de uma mudança drástica de rumo.
Isto porque, de acordo com estudos ambientais, a aviação provoca mais poluição que contribui para o aquecimento global do que qualquer outra forma de transporte. Sendo que é um meio de transporte utilizado pelos mais ricos: estima-se que 1% da população mundial seja responsável por cerca de 50% das emissões da aviação. E prevê-se que até 2042 o número de passageiros duplique. As emissões de dióxido de carbono da aviação também poderão duplicar ou mesmo triplicar até 2050 se nada de substancial for feito.
Enquanto a indústria aeronáutica defende que esse cenário é evitável com medidas que estaria a desenvolver como aviões mais eficientes, combustíveis sustentáveis e um esquema de “compensação” de “créditos” de emissões de carbono, os especialistas independentes contrapõem que estas medidas são largamente insuficientes face à dimensão do problema.
Para Ewbank, “as companhias aéreas e as associações do setor estão a ignorar os sinais de alerta e a dar prioridade aos interesses da indústria em detrimento dos cortes essenciais de emissões, com apenas uma política de compensação fraca e metas não vinculativas para mostrar após anos de deliberação.”
O ICAO defende-se, em declarações citadas pelo Guardian, dizendo que vai passar a haver mais transparência e que o plano estratégico para 2050 tem como meta zero vítimas de acidentes e zero emissões de carbono. Em janeiro, porém, a Agência Internacional para a Energia avaliava que o setor não estava “no bom caminho” para alcançar aquela meta. Um estudo de 2022 dizia que, nas últimas duas décadas, a indústria do setor apenas tinha atingido uma das 50 metas ambientais traçadas.
Para além disso, Willie Walsh, diretor-geral da IATA, a Associação Internacional de Transporte Aéreo, a mais poderosa associação empresarial, tem apelado a que se “reavalie” a meta.
Para os autores do relatório do InfluenceMap, é preciso priorizar “interesses públicos, políticas baseadas na ciência e negociações abertas, para que os especialistas independentes e a sociedade civil se possam unir à indústria de boa-fé e para que a indústria possa começar a assumir a real responsabilidade pelo impacto climático do sector da aviação”.