EUA

Trump classifica o “anticapitalismo” como um pré-crime político

11 de outubro 2025 - 12:16

A nova diretiva de segurança de Donald Trump classifica as convicções anticapitalistas como um indicador de violência política. A ironia: a análise estrutural feita pela esquerda, na verdade, afasta as pessoas de ataques solitários e leva-as à organização em massa por mudanças.

por

Ben Burgis

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Montagem da página da Casa Branca.
Montagem da página da Casa Branca. Imagem: Homeland Security.

A designação do movimento "antifa" como "organização terrorista doméstica" por Donald Trump foi um resumo perfeito tanto do autoritarismo como da palhaçada do governo. Qualquer pessoa com idade suficiente para se lembrar da resposta da administração Bush ao 11 de Setembro deve arrepiar-se ao ouvir as autoridades governamentais a utilizar a palavra "terrorismo". Este termo tende a funcionar como um livre-trânsito para justificar ataques às liberdades civis.

Além disso, "antifa" não é sequer o nome de uma organização, embora o rótulo geral (referindo-se a formas militantes de organização auto-declarada "antifascista") possa descrever pequenos grupos variados e díspares que existem efetivamente. Mais, não existe a categoria de "organização terrorista doméstica" na legislação americana, pelo que não é claro qual será a importância prática da ordem, se é que existe alguma.

A ordem executiva utilizou um termo genérico para condenar um grupo vago de intervenientes a um destino incerto. Era quase como se, com grande alarido, o presidente tivesse prometido executar vampiros extrajudicialmente, expondo-os à luz solar.

Uma medida muito mais séria e perturbadora, na mesma altura, atraiu muito menos atenção. Trump assinou um memorando de política de segurança nacional denominado "Combate ao Terrorismo Doméstico e à Violência Política Organizada", conhecido como NSPM-7. Estas diretivas de segurança nacional são muito menos comuns do que as ordens executivas. Enquanto estas últimas tendem a dirigir as operações diárias do governo, as primeiras podem definir novas políticas abrangentes para as burocracias militar, policial e de inteligência do governo federal. Como o nome NPSM-7 indica, esta é apenas a sétima diretiva deste tipo emitida por Trump desde que assumiu o cargo.

Como relata o jornalista Ken Klippenstein, o NPSM-7 "dirige uma nova estratégia nacional para 'disromper' qualquer indivíduo ou grupo 'que fomente a violência política', incluindo 'antes que resultem em atos políticos violentos'". O vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Stephen Miller, que é há muito um dos membros mais zelosamente autoritários da administração Trump, celebrou que o momento marca "a primeira vez na história americana que há um esforço de todo o governo para desmantelar o terrorismo de esquerda".

Ao explicar exatamente por que isso é tão sombrio, Klippenstein faz referência ao filme distópico de ficção científica Minority Report, no qual as pessoas são presas não por algo que fizeram, mas por “pré-crimes” previstos por pessoas com poderes psíquicos. Neste caso do mundo real, os “indícios” (indicadores) de violência política futura listados no relatório são:

• antiamericanismo,

• anticapitalismo,

• anticristianismo,

• apoio ao derrube do governo dos Estados Unidos,

• extremismo em relação à migração,

• extremismo em relação à raça,

• extremismo em relação ao género

• hostilidade em relação àqueles que têm visões americanas tradicionais sobre a família,

• hostilidade em relação àqueles que têm visões americanas tradicionais sobre religião e

• hostilidade em relação àqueles que têm visões americanas tradicionais sobre moralidade.

Esta é, no mínimo, uma orientação para a vigilância e rastreio de discursos claramente protegidos pela Constituição. Os alvos seriam suspeitos por simplesmente aderirem a qualquer uma de uma lista de convicções padrão de esquerda, subjetivamente rebatizadas como extremismo, supostamente predispondo-os para a violência.

Pensas que o imperialismo americano é um problema? Organizas protestos contra as guerras americanas no estrangeiro? Manifesta-te contra o genocídio apoiado pelos americanos em Gaza? Isto poderia constituir "antiamericanismo". Queres abolir a agência de imigração ICE? Isto parece algo que a administração Trump poderia considerar "extremismo em relação à imigração". As tuas opiniões são fatores de risco para a violência e, ao expressá-las, cometeste um crime pré-crime.

Até o ateísmo militante – uma posição cujos defensores mais proeminentes incluem figuras como Richard Dawkins, que dificilmente poderiam ser considerados como esquerdistas radicais – está a ser classificado como uma espécie de pré-crime presumivelmente ligado à violência política. Isto é quase caricaturalmente autoritário. E, ao contrário da ordem executiva que declara uma organização inexistente como pertencente a uma categoria jurídica inexistente, é muito fácil ver o caminho desta diretiva para a vigilância e a repressão de discursos de que a administração não gosta (e como os empregadores privados também poderiam interpretar isto como um sinal para reprimir os funcionários com opiniões nas categorias proibidas).

O que talvez seja menos óbvio é o quão absurda é a premissa central aqui. A premissa da diretiva é completamente imprecisa. As pessoas que defendem as visões que Trump e Miller poderiam rotular de "extremas" – sobre raça, género, família, moralidade, religião, economia e política externa, por exemplo – não são mais propensas a cometer violência política do que qualquer outra pessoa. Quanto muito, o contrário é que é podia ser verdadeiro.

Estruturas de poder

Em todos estes casos, a análise de esquerda leva as pessoas a pensar em termos de estruturas de poder, em vez de culpar indivíduos mal-intencionados. Se culpar uma seguradora de saúde por negar um pedido de indemnização, alegando que um determinado executivo é um monstro, por exemplo, poderás pensar que uma boa solução seria disparar sobre esse executivo. Mas se compreenderes que os problemas do sistema de saúde americano são endémicos do sistema, de modo que quem quer que fique com o cargo do homem contra o qual acabaste de disparar estará sujeito aos mesmos incentivos horríveis e agirá de forma semelhante, terás mais hipóteses de se envolver na organização política para mudar este sistema.

Não podes destruir uma má estrutura social com uma arma. É necessária uma ação política de massas para reorganizar a sociedade. A difusão desta análise estrutural na esquerda explica porque há muito mais ativistas do Medicare for All e apoiantes de Bernie Sanders do que Luigi Mangiones. A sua ação violenta foi tão rara que se tornou um nome conhecido da noite para o dia. A exceção aqui confirma a regra: a análise estrutural de esquerda geralmente desincentiva uma pessoa a atos de violência, empurrando-a, em vez disso, para campanhas de massas por mudanças estruturais.

Embora possa ser aplicado, de diferentes formas, à maioria dos "indícios" da lista absurdamente abrangente de Trump, o ponto pode ser mais claro no caso do "anticapitalismo". Se a razão pela qual os capitalistas ricos exploram as pessoas não é porque são individualmente maus, mas por causa dos seus interesses de classe específicos, então os atos individualistas de violência, como os assassinatos, estão completamente fora de cogitação. Poder-se-ia assassinar todas as pessoas que ocupam as posições mais elevadas da hierarquia económica neste momento e, se não se alterasse a estrutura subjacente, o exército de novos oligarcas que os substituísse comportar-se-ia exatamente como os antigos. Mudar esta realidade passa por organizar a classe trabalhadora como um todo para tomar medidas políticas.

Caso duvides das raízes profundas desta lógica na esquerda, Karl Marx fez esta mesma ligação no prefácio de 1867 à sua obra-prima O Capital:

“Para evitar possíveis mal-entendidos, permitam-me dizer o seguinte: não estou, de forma alguma, a retratar o capitalista e o proprietário de terras em tons róseos. Mas os indivíduos são aqui tratados apenas na medida em que são personificações de categorias económicas, portadores de relações de classe e de interesses particulares. O meu ponto de vista, a partir do qual o desenvolvimento da formação económica da sociedade é visto como um processo de história natural, pode, menos do que qualquer outro, responsabilizar o indivíduo pelas relações das quais ele permanece como criatura, socialmente falando, por mais que se eleve subjetivamente acima delas.”

Leon Trotsky colocou-o de forma ainda mais precisa no seu ensaio de 1911, "Porque é que os marxistas se opõem ao terrorismo individual":

“O assassinato de um proprietário de uma fábrica produz efeitos de natureza exclusivamente policial, ou uma mudança de proprietários desprovida de qualquer significado social. O Estado capitalista não se baseia em ministros e não pode ser eliminado com eles. As classes a que serve encontrarão sempre novas pessoas; o mecanismo permanece intacto e continua a funcionar.

O terror individual é inadmissível, menosprezando o papel das massas na sua própria consciência, reconciliando-as com a sua impotência e voltandos os seus olhos e esperanças para um grande vingador e libertador que um dia virá e cumprirá a sua missão… Mas o fumo da confusão dissipa-se, o pânico desaparece, o sucessor do ministro assassinado reaparece, a vida regressa à velha rotina, a roda da exploração capitalista gira como antes; apenas a repressão policial se torna mais selvagem e descarada. E, como resultado, no lugar das esperanças acesas e da excitação artificialmente despertada, vêm a desilusão e a apatia”.

Qualquer pessoa que se preocupe em viver numa sociedade livre precisa de rejeitar a noção de que certas perspetivas ideológicas precisam de ser monitorizadas e contidas, independentemente da natureza dessas perspetivas. Mesmo as ideias genuinamente vis precisam de ser combatidas ao nível das ideias.

Mas é particularmente absurdo tratar o "anticapitalismo" e análises estruturais semelhantes das relações de poder como "indícios" de violência. Trotsky e Marx, que eram certamente anticapitalistas e provavelmente o epítome dos "extremistas" aos olhos de Trump e Miller, foram perfeitamente claros: a análise estrutural anticapitalista leva à conclusão inevitável de que atos de terror político ou violência pontual são mais do que inúteis e devem ser dissuadidos. Quanto mais as pessoas hoje se deparam com as suas ideias, maior é a probabilidade de concordarem.

Num momento de crescentes ataques de lobos solitários politicamente motivados, os conservadores que se opõem à “doutrinação marxista radical” nos campus universitários deveriam, francamente, ter esperança de que esta se torne mais do que uma mera alucinação.


Ben Burgis é colunista da Jacobin, professor adjunto de Filosofia na Universidade de Rutgers e apresentador do programa e podcast do YouTube Give Them An Argument. É autor de vários livros, sendo o mais recente Christopher Hitchens: What He Got Right, How He Went Wrong, and Why He Still Matters.

Texto publicado originalmente na Jacobin.