O escritor húngaro László Krasznahorkai ganhou o Prémio Nobel de Literatura de 2025 pela “sua obra convincente e visionária que, em pleno terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”.
Krasznahorkai é autor de nove romances, várias coleções de contos e ensaios, e vários argumentos, incluindo a coautoria da épica adaptação cinematográfica de sete horas do seu primeiro livro, Satantango (1985, [O Tango de Satanás na edição portuguesa da Antígona]). Ele é um dos escritores mais distintos e reconhecíveis do mundo atualmente.
No cerne do projeto de Krasznahorkai está a antiga dialética beckettiana entre a desolação generalizada e o desespero ético, e um motor de linguagem loucamente propulsivo e inesgotável.
A sua linguagem é o grito louco de um universo sem Deus diante do nosso desperdício imperdoável de todas as coisas boas que nos foram dadas por acaso. A forma volúvel agita o conteúdo fragmentado numa corrente irresistível, fluindo do Big Bang ao Paraíso — passando pelo nosso mundo perdido.
É difícil extrair excertos da sua prosa. As frases nunca terminam, por isso, mesmo algumas palavras citadas inevitavelmente arrastam-nos para o vórtice de um sistema sintático devastador. Não há saída uma vez que somos sugados para dentro. Encontramo-nos numa areia movediça estilística que é perversamente reconfortante.
Anarco-capitalista-clepto-niilismo
A obra de Krasznahorkai tem sido frequentemente descrita como “apocalíptica”, e isso é bastante preciso. Mas qual é a natureza do seu apocalipse?
De um modo geral, na sua grande tetralogia — Satantango, A Melancolia da Resistência (1989), Guerra e Guerra (1999) e O Regresso do Barão Wenckheim (2016) — aproxima-se alguma maldade sombria. Os seus sinais são a reunião de homens de meia-idade em locais públicos, graffitis estranhos, panfletos, um orador invulgarmente carismático e o colapso dos serviços públicos – prelúdios de uma grande onda de destruição e violência.
São apontados membros de uma força contrária putativa e ineficaz. Acompanhamos a sua crescente preocupação e ansiedade à medida que a inevitável maldade ganha força.
Uma forma de pensar nisto é em relação ao colapso do comunismo na Europa Oriental e à ascensão do anarco-capitalismo-clepto-niilismo. Esta é uma perspetiva perfeitamente viável, mas Krasznahorkai também traça a tendência global para o governo de “homens fortes” de extrema-direita, do tipo representado pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
A veneração de Orbán por Donald Trump e J.D. Vance, e a sua semelhança com Vladimir Putin, Javier Milei, Benjamin Netanyahu e outros dessa raça cruel, fazem da Hungria o ground zero da nuvem tóxica do fascismo que se espalha pelo mundo contemporâneo.
O lugar na primeira fila de Krasznahorkai neste teatro de degeneração tornou-o talvez a fonte mais confiável de informação estética sobre as suas consequências espirituais. A publicação de Orbán no X, propriedade de Elon Musk, a felicitar Krasznahorkai pela sua vitória no Nobel é uma das ironias amargas da história contemporânea.
Compensações graciosas
Se fosse só isso, a obra de Krasznahorkai seria realmente difícil de ler – o que é verdade. Mas não deixa de ter compensações graciosas.
Krasznahorkai é um tradicionalista assumido. Ele defende a ideia de que as artes são o nosso melhor recurso para evitar a queda na barbárie. Numa entrevista no início deste ano, ele disse:
A arte é a resposta extraordinária da humanidade ao sentimento de perda que é o nosso destino. A beleza existe. Ela está além de uma fronteira onde temos de parar constantemente; não podemos ir mais longe para compreender ou tocar a beleza — só podemos contemplá-la a partir desta fronteira e reconhecer que, sim, há realmente algo lá longe. A beleza é uma construção, uma criação complexa de esperança e ordem superior.
O compositor alemão Andreas Werkmeister preside The Melancholy of Resistance, e Johann Sebastian Bach preside Herscht 07769 (2021 [edição portuguesa da Cavalo de Ferro]): modelos de sistemas estéticos aperfeiçoados, capazes de transfigurar a experiência.
A maravilhosa coleção de Krasznahorkai, Seiobo There Below (2008), acumula tesouros preciosos contra o deslizamento de terra: as pinturas de Filipino Lippi e Giovani Bellini, a estátua de Amida Buda no templo Zengen-ji, a Acrópole, as máscaras Noh de Ito Ryōsuke.
Tal como Ezra Pound nos seus Cantos, Krasznahorkai reúne magníficas realizações artísticas para servir como corretivos necessários, mas nunca suficientes, à lama da cultura contemporânea.
As suas contribuições para a cultura cinematográfica mundial, em três grandes projetos colaborativos de “cinema lento” com o realizador Béla Tarr, destacam-se acima da média dos últimos 30 anos. Contribuíram consideravelmente para a sua reputação internacional.

Krasznahorkai foi muito bem servido pelos seus intrépidos tradutores ingleses, George Szirtes (que ficou responsável pelas obras anteriores) e Ottilie Mulzet (que assumiu as posteriores). Sem eles, é improvável que ele tivesse alcançado o reconhecimento que tem hoje.
Esse reconhecimento, que agora atingiu o seu auge, ainda não foi acompanhado por uma compreensão comparável da sua obra. Questionado sobre a sua fonte de inspiração, Krasznahorkai respondeu:
A amargura. Fico muito triste quando penso na situação atual do mundo. Essa é a minha inspiração mais profunda. Isso também pode ser uma inspiração para a próxima geração ou gerações na literatura. Inspiração para dar algo à próxima geração, de alguma forma para sobreviver a este tempo, porque estes são tempos muito, muito sombrios e precisamos de muito mais força dentro de nós para sobreviver a este tempo do que antes.
Espera-se que o Prémio Nobel finalmente obrigue a prestar atenção a um dos grandes pessimistas da literatura contemporânea.
Julian Murphet é professor titular de Inglês e Língua e Literatura, Universidade de Adelaide. Artigo publicado em The Conversation.