Síria

Israel explora vácuo deixado por conflitos sectários no sul da Síria e Estado fraco

19 de julho 2025 - 16:22

Ao intensificar os seus ataques, matando mais membros das forças de segurança do Estado do que desde a queda do regime de Assad e humilhando o governo ao destruir as suas instituições em Damasco, Israel obteve o resultado que pretendia.

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Rob Geist Pinfold

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Combatentes beduínos entram na cidade de maioria druza Mazra'a.
Combatentes beduínos entram na cidade de maioria druza Mazra'a. Foto de AHMAD FALLAHA/EPA/Lusa.

Vários dias de intensos combates sectários no sul da Síria levaram o incipiente governo em Damasco perigosamente perto de um conflito direto com Israel, depois de aviões de guerra israelitas terem lançado ataques contra edifícios governamentais na capital síria, Damasco, a 16 de julho.

As Nações Unidas e vários países condenaram os ataques, a que o secretário-geral da ONU, António Guterres, chamou "ataques aéreos de escalada". No entanto, o ministro da defesa israelita, Israel Katz, utilizou triunfalmente a rede social X para publicar um vídeo de um apresentador de notícias sírio a abaixar-se para se proteger durante os ataques.

Os esforços para chegar a um cessar-fogo na região falharam e acredita-se que os combates entre milícias drusas e beduínas na província de Sweida, no sul da Síria, tenham sido retomados. A BBC noticiou que pelo menos 600 pessoas foram mortas nos conflitos até ao momento.

A violência foi aparentemente desencadeada por um pequeno crime. A 11 de julho, um gangue beduíno terá raptado e roubado um comerciante druso na estrada entre Sweida e Damasco. Isto provocou uma série de raptos e assassinatos sectários em retaliação.

A 14 de julho, as forças de segurança sírias entraram na província para repor a ordem, mas foram emboscadas por combatentes drusos. Os relatos de que estes combatentes executaram forças governamentais causaram indignação em todo o país. O governo sírio enviou então mais tropas, incluindo tanques e armas pesadas. Mas, quando estes reforços chegaram, depararam-se com um novo desafio: ataques aéreos israelitas mais mortíferos e prolíficos contra as forças governamentais.

Governo central fraco

Este ciclo de violência exemplifica a causa subjacente dos conflitos recentes. O governo central interino da Síria não tem credibilidade nem capacidade para exercer a sua autoridade em todo o país.

Isto é particularmente verdade em Sweida, que é de facto autónoma há muitos anos. O sobrecarregado regime de Assad retirou-se em grande parte da província durante a década da guerra civil. Quando o seu regime caiu, muitas das milícias locais que tinham servido como governantes de facto de Sweida estavam relutantes em entregar as suas armas.

A violência recente exemplifica porque é que isto é um problema. Na ausência de um Estado local forte, as milícias drusas assumiram a responsabilidade de fazer justiça, o que supostamente as levou a atacar beduínos inocentes. Isto levou os beduínos a mobilizarem-se em autodefesa. Há relatos de violência e execuções sumárias de ambos os lados e também por parte das tropas governamentais.

Os drusos da Síria têm boas razões para não confiar no novo regime de Damasco, dadas as raízes jihadistas deste e o historial de violência antidrusa durante a guerra civil. O Conselho Militar de Sweida, uma milícia drusa liderada pelo clérigo nascido na Venezuela Hikmet al-Hiji, foi hostil ao novo governo quase desde o início. Outras milícias drusas em Sweida e noutros locais, no entanto, estavam em negociações provisórias com Damasco para se integrarem no controlo do governo.

Este seria um passo bem-vindo e necessário para criar confiança na nova administração da Síria e aumentar a sua capacidade e possibilidade de governar em todo o país.

Mas esse processo descarrilou agora. A mobilização em massa de tropas, tanques e armas pesadas por Damasco foi condenada por todas as fações drusas de Sweida, incluindo as anteriormente próximas do governo. Alguns destes grupos lutaram mesmo contra o avanço das forças de segurança.

Depois de as tropas governamentais se terem retirado como parte do mais recente acordo de cessar-fogo, a província regressou rapidamente ao mesmo regime caótico das milícias que causou a violência. As milícias beduínas já rejeitaram o cessar-fogo e retomaram as hostilidades contra os seus rivais drusos.

A posição de Israel

A violência recente não só agravou as tensões sectárias em toda a Síria, como também interrompeu o processo de paz entre Israel e a Síria. Há apenas uma semana, havia observadores a especular que Israel e a Síria poderiam normalizar relações. Agora isso parece cada vez mais improvável.

Quando o regime de Assad caiu, em Dezembro de 2024, Israel ocupou grandes áreas do território sírio e lançou um número sem precedentes de ataques por todo o país. Sob forte pressão dos EUA, porém, Israel moderou as suas políticas. Chegou mesmo a iniciar negociações diretas com o novo governo da Síria.

Mas, à medida que o conflito no sul da Síria se intensificava, Jerusalém avisou Damasco de que uma mobilização em massa das forças de segurança do Estado para a província ultrapassaria uma linha vermelha, porque levaria as tropas sírias para perto das fronteiras de Israel. Colocaria também em risco os drusos da Síria, uma comunidade que o governo de Israel jurou proteger.

Só que o incipiente Governo sírio disse que pretende ser um Estado inclusivo, gerido centralmente – em vez de um Estado federal –, por isso tem de integrar os drusos e outras minorias, como os curdos da Síria, e pôr fim aos confrontos sectários.

Ao intensificar os seus ataques, matando mais membros das forças de segurança do Estado do que desde a queda do regime de Assad e humilhando o governo ao destruir as suas instituições em Damasco, Israel obteve o resultado que pretendia.

Fê-lo, segundo Benjamin Netanyahu, através de “ações enérgicas”. O primeiro-ministro israelita disse aos jornalistas, no dia 17 de Julho, que: “Estabelecemos uma política clara: a desmilitarização da zona a sul de Damasco e a proteção dos nossos irmãos, os drusos”.

Israel deparou-se com uma escolha: continuar a impor militarmente a sua vontade à Síria ou cooperar com o novo governo do país. Aparentemente, escolheu a primeira opção.

O facto é que em Sweida e noutras partes do país fragmentado, a Síria continua a ser um Estado com muitas armas, gangues, milícias e poderosos interesses externos a competir pelo controlo. A sua população heterogénea desconfia cada vez mais uns dos outros e depende dos seus próprios grupos étnico-religiosos para cumprir as responsabilidades que um governo central fraco e desconfiado não consegue.

Esta desconfiança continua a transformar-se em violência aberta no sul da Síria. E parece que há pouco que o frágil governo central possa fazer quanto a isso.


Rob Geist Pinfold é professor de Segurança Internacional no King’s College de Londres.

Texto publicado originalmente no The Conversation.

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