Os mais de 300 participantes na 48ª Conferência de Apoio e Solidariedade com o Povo Saharaui (EUCOCO), oriundos de 21 países, voltaram a exigir, sob o lema “Fim do colonialismo, referendo para a independência!”, o respeito pelo direito internacional, sempre reafirmado em todas as instâncias jurídicas internacionais.
Um dos temas mais abordados foi o das sentenças definitivas (sem possibilidade de recurso) proferidas a 4 de outubro último pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que declarou ilegais os acordos comerciais assinados entre a UE e Marrocos pelo facto de neles figurar o território não-autónomo saharaui. O Tribunal voltou a explicitar que Marrocos e o Sahara Ocidental são “dois territórios distintos e separados”, reiterou o direito à autodeterminação do povo saharaui, reconheceu a Frente POLISARIO como sua legítima representante e clarificou que o consentimento do povo do Sahara Ocidental é indispensável para qualquer acordo sobre a exploração das suas riquezas.
A clareza destes pronunciamentos contrasta com a repressão quotidiana a que são sujeitos os e as saharauis no território ilegalmente ocupado por Marrocos desde 1975. Perante testemunhos concretos partilhados por saharauis durante os trabalhos da Conferência, saíram reforçadas as exigências de libertação imediata dos presos políticos que se encontram nas cadeias marroquinas, vítimas de tortura e maus-tratos, de julgamentos sem quaisquer garantias e de pesadas sentenças arbitrárias. Reivindicou-se, de novo, a inclusão de uma valência de monitorização dos direitos humanos no quadro da MINURSO – a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental, única Missão da ONU que não contempla esta responsabilidade.

Marrocos, a potência ocupante, tem desenvolvido uma narrativa atraente para quem quer fingir que não sabe que o seu regime é uma ditadura e que a invasão do Sahara Ocidental é um grave crime à luz do direito internacional: diz que o território está em franco desenvolvimento e as oportunidades de negócio, ou turísticas, para nacionais marroquinos, mas sobretudo para estrangeiros, são de aproveitar.
No entanto, ao mesmo tempo, o regime de Rabat expulsa sumariamente todas as pessoas e representantes de entidades que pretendem conhecer a situação das comunidades saharauis e apoiar os seus membros mais perseguidos. De acordo com um dossier divulgado durante a Conferência, nos últimos 10 anos foram expulsas 300 pessoas e impedidas de aceder ao território 7 ONG internacionais oriundas de 6 países. O próprio Alto Comissariado do Conselho dos Direitos Humanos da ONU vê recusada a sua entrada no Sahara Ocidental ocupado há nove anos consecutivos.
Contradições e novas solidariedades
A impunidade de Marrocos explica-se como a de Israel: na sua Resolução final a Conferência da EUCOCO denuncia os Chefes de Estado francês, espanhol e norte-americano por violarem a legalidade internacional ao apoiarem a tentativa marroquina de anexação do Sahara Ocidental. São os interesses geoestratégicos e económicos que ditam o desprezo pelos direitos dos povos, incluindo o direito à autodeterminação. Donald Trump promoveu, já após a sua derrota em 2020, a adesão de Marrocos aos Acordos de Abraão, da qual resultou o reconhecimento da soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental por parte do Presidente a troco do restabelecimento de relações diplomáticas entre Marrocos e Israel.

Esta opção tem sido muito contestada, publicamente, pela sociedade marroquina, sobretudo depois da guerra em Gaza. Em todas as grandes manifestações de apoio ao povo da Palestina, organizadas periodicamente em todo o país, uma das principais reivindicações é o fim da “normalização”. Apesar do papel cada vez maior que Israel tem tido no reforço da segurança, a vários níveis, de Marrocos e do apoio que lhe tem prestado no esforço de guerra contra a Frente POLISARIO, pago pelas oportunidades de grandes negócios numa multiplicidade de áreas.
Nesta 48ª Conferência da EUCOCO houve novidades. Das mais importantes foram a presença e as intervenções de um analista político marroquino, exilado em Espanha, e de um dirigente do Partido Nacional do Rif, uma região de Marrocos com reivindicações próprias, fortemente abandonada e reprimida pelo regime de Rabat. Ambos, de formas diferentes, expressaram a sua solidariedade com o povo saharaui e o seu direito à autodeterminação e independência.

A Conferência teve início no dia 29 de novembro, Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina. Para o assinalar, e porque faz todo o sentido a aproximação entre dois povos em luta contra o colonialismo e pela liberdade, foi partilhada uma mensagem gravada da investigadora, autora e ativista palestiniana Shahd Wadi, que vive em Portugal.
Ao exprimir a sua compreensão pelas vivências do povo saharaui sob a ocupação marroquina, ela começou por chamar a atenção para a enorme semelhança entre as bandeiras dos dois países, o Sahara Ocidental e a Palestina, de tal modo que muitas vezes são confundidas. O que também é pouco conhecido é que os dirigentes palestinianos, levados pelos países árabes aliados de Marrocos, nunca apoiaram a justa causa saharaui. Uma situação cada vez mais insólita, que a sociedade civil palestiniana começa a querer mudar.
Três iniciativas que interpelam Portugal
A EUCOCO 48 foi antecedida por duas outras reuniões: a Conferência Interparlamentar sobre o Sahara Ocidental 2024 e o Encontro de Solidariedade Sindical com o povo do Sahara Ocidental.
A primeira foi organizada pelo Grupo Parlamentar de Amizade com o Sahara Ocidental criado na Assembleia da República em setembro passado, composto por deputados e deputadas representantes do PS, BE, PCP, Livre e PAN. Reuniu parlamentares de vários países, com uma forte participação africana. Na sua Declaração final “insta-se o governo português a assumir uma posição clara de apoio ao referendo de autodeterminação do Sahara Ocidental, mostrando a mesma determinação que, justamente, Portugal demonstrou na defesa da autodeterminação de Timor-Leste” e apela-se “às deputadas e deputados de todos os países a que, nos 50 anos da ocupação pela força do Sahara Ocidental que serão assinalados em 2025, avancem com propostas nos seus parlamentos em defesa do respeito pelos Direitos Humanos no Sahara Ocidental, e em apoio ao direito à autodeterminação do povo saharaui”.

O Encontro de Solidariedade Sindical foi promovido pela Task Force da Coordenadora Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo Saharaui (EUCOCO), pela central sindical saharaui - União Geral dos Trabalhadores de Saguia El Hamra e Rio de Ouro (UGTSARIO), pela Representação da Frente POLISARIO em Portugal e pela CGTP-IN, tendo contado com o apoio da UGT. Congregou muitos sindicalistas de vários países de três continentes, entre os quais representantes de centrais sindicais de Angola, da Argélia, de Moçambique e do Níger. O seu Manifesto está aberto à recolha de subscrições de estruturas sindicais até ao dia 10 de abril de 2025, de modo a que a divulgação internacional do documento seja feita no dia 1 de maio.
Foi por causa do 25 de Abril, que há 50 anos transformou a sociedade portuguesa, precipitou o fim da guerra colonial e possibilitou o início do processo de descolonização, que Lisboa acolheu a 48ª Conferência da EUCOCO, iniciativa conjunta da Task Force da Coordenadora Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo Saharaui e da Representação da Frente POLISARIO em Portugal (em 1975 a primeira reunião teve lugar nos Países Baixos e as duas últimas edições realizaram-se, em 2022, em Berlim, e em 2023 em Toledo).

Não é por acaso que a Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 7º, ponto 3: “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.”
É exatamente o que está em causa no Sahara Ocidental. A eventual desobediência aos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, assim como a efetiva organização tripartida, incluindo Marrocos - país ocupante do território saharaui - do Campeonato Mundial de Futebol em 2030 configuram graves incumprimentos da Constituição. Situações, entre outras, a acompanhar, denunciar e reverter a favor da justiça e da legalidade internacional.