Genocídio

Plano de paz de Trump para Gaza não responde aos mesmos obstáculos de sempre

30 de setembro 2025 - 12:29

O presidente dos EUA continua a ver Gaza como empreendimento imobiliário. O plano implica que o Hamas abdique de qualquer papel no território e não é claro sobre quem do lado palestiniano o substituirá. Netanyahu parece querer ganhar apoio na opinião pública ao apostar que o Hamas o vai recusar.

por

Asher Kaufman 

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Trump e Netanyahu na Casa Branca.
Trump e Netanyahu na Casa Branca. Foto de JIM LO SCALZO/EPA.

O mais recente plano de paz patrocinado pelos EUA para o Médio Oriente foi apresentado na Casa Branca a 29 de setembro de 2025 e imediatamente aceite pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.

A proposta, que o presidente norte-americano, Donald Trump, disse que marcava um momento "histórico” que faria com que o fim da guerra de dois anos em Gaza ficasse “muito próximo”, será agora enviada para o Hamas. O grupo palestiniano afirmou estar a rever o documento, que foi entregue por mediadores egípcios e qataris.

Caso seja aceite, as hostilidades terminarão “imediatamente”, de acordo com o plano. Mas, considerando que todas as tentativas anteriores apoiadas pelos EUA falharam até à data, há razões para ceticismo. O The Conversation recorreu a Asher Kaufman, especialista no Médio Oriente moderno e professor de Estudos da Paz na Universidade de Notre Dame, para explicar o que é diferente neste plano – e a que pode levar.


Quais são os principais pontos do novo plano?

O plano apresentado por Trump na presença de Netanyahu consiste em 20 pontos.

Se for aceite por Israel e pelo Hamas, prevê a retirada total das Forças de Defesa de Israel da Faixa de Gaza em três fases.

A primeira etapa dependeria da libertação dos restantes 48 reféns, feitos durante o ataque de 7 de outubro de 2023 em Israel pelo Hamas e pela Jihad Islâmica Palestiniana, dos quais se acredita que 20 estejam vivos. Ao mesmo tempo, Israel libertaria 250 palestinianos que cumprem pena perpétua, bem como 1.700 residentes de Gaza presos após 7 de Outubro.

Esta fase permitiria também o fluxo imediato de ajuda humanitária para a população desesperada em Gaza.

A segunda fase veria Gaza governada por um órgão transitório temporário composto por um comité tecnocrático e apolítico, composto por palestinianos e membros internacionais.

O comité seria supervisionado por um “conselho de paz” liderado por Trump e outros chefes de Estado, incluindo o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Este conselho supervisionaria também a reconstrução da Faixa de Gaza e o seu desenvolvimento económico.

Os membros do Hamas seriam amnistiados caso depusessem as armas, mas também teriam de concordar – juntamente com outros membros de fações militantes palestinianas – em não ter qualquer papel na governação de Gaza.

Um novo órgão militar, denominado Força Internacional de Estabilização, seria estabelecido e destacado na Faixa de Gaza. O plano prevê que seja composto por parceiros árabes e internacionais.

Só então os militares israelitas se retirariam completamente de Gaza, altura em que o plano pós-guerra para Gaza se voltaria para o desenvolvimento económico.

Como é que difere dos planos anteriores apoiados pelos EUA?

As partes do plano que incluem a retirada israelita, a libertação de reféns em troca de prisioneiros palestinianos e o fornecimento de ajuda humanitária em massa a Gaza são semelhantes a acordos anteriores, incluindo o último, que falhou depois de Israel ter violado os seus termos em março de 2025.

Mas há novas partes. Estas incluem a criação do conselho de paz e da Força Internacional de Estabilização.

O primeiro dá uma estrutura concreta às ideias mais antigas de Trump de desenvolver a Faixa de Gaza como um empreendimento imobiliário; a segunda fornece uma estrutura para uma força militar internacional que policiaria a faixa num futuro próximo.

O plano menciona também um horizonte de longo prazo para a autodeterminação e o estabelecimento de um Estado palestiniano – um ponto não levantado nas propostas anteriores, que se centravam principalmente no fim da guerra em Gaza, mas negligenciavam a inclusão de um caminho a longo prazo para a criação de um Estado.

Como seria o pós-Gaza segundo este plano?

Trump vê a Faixa de Gaza como uma oportunidade de empreendimento imobiliário – já o disse no passado e voltou a falar a 29 de Setembro sobre as oportunidades da costa de Gaza.

Desta forma, a sua “visão de paz” é concebida principalmente através de uma lente de desenvolvimento económico.

O plano prevê uma faixa reconstruida, apoiada principalmente por forças regionais, que poderiam estabilizar a região e proporcionar, a curto prazo, ajuda humanitária e, a longo prazo, oportunidades económicas aos residentes de Gaza.

A administração Trump e Israel esperam ter não só uma Gaza livre do Hamas, mas também uma população de Gaza despolitizada na sua totalidade.

Sem um papel para o Hamas, quem representará os palestinianos em Gaza?

Não é claro no plano quem representará os palestinianos. Mas, lendo nas entrelinhas, pode-se vislumbrar a possibilidade de uma versão reformulada da Autoridade Palestiniana, o órgão que governa nominalmente partes da Cisjordânia, que poderá assumir o papel de “tecnocratas palestinianos”. O nono ponto do plano sugere que a Autoridade Palestiniana poderá ter um papel no futuro de Gaza depois de a Autoridade Palestiniana “ter concluído o seu programa de reformas”, mas não especifica o que este programa de reformas implica.

O plano sugere ainda que as forças policiais palestinianas seriam treinadas e supervisionadas pela Força Internacional de Estabilização e alocadas à Faixa de Gaza. Isto sugere também a possibilidade de a polícia da Autoridade Palestiniana – que há muito é acusada pelos palestinianos de trabalhar concertadamente com os israelitas na Cisjordânia – poder assumir este papel.

Há muito que Netanyahu tem resistido a considerar a Autoridade Palestiniana como um organismo viável para governar Gaza no “dia seguinte” à guerra.

Portanto, se este plano entrar em vigor, a questão de quem compõe a administração tecnocrática palestiniana pode certamente ser um dos principais obstáculos.

Quais são as probabilidades do plano ser aceite?

Existem duas barreiras principais.

Em Israel, Netanyahu precisará de obter a aprovação dos membros de extrema-direita do seu governo, que no passado resistiram a tudo o que não fosse a continuação da guerra e a tomada final da Faixa de Gaza por Israel. Netanyahu sabe que o seu futuro político depende da manutenção dos membros de extrema-direita da sua coligação – e esta dinâmica desfez as pressões anteriores para o fim da guerra.

Para o Hamas, a concretizar-se este acordo, significará o fim da sua presença militar e política na Faixa de Gaza.

Assim, o organismo – que governa o território desde Junho de 2007 – precisará de estar numa situação desesperada para aceitar os termos. Ou talvez o Hamas finalmente tome consciência da situação desesperada dos residentes de Gaza e lhe responda. O plano, tal como está formulado, dá-lhes pouco para reivindicar como conquista.

Não é absurdo pensar que Netanyahu está a apoiar o plano de Trump sabendo que as hipóteses da sua concretização são mínimas. Nos últimos dois anos, Netanyahu demonstrou que a sua principal motivação é a sua própria sobrevivência política e que não tomará quaisquer passos que a coloquem em risco.

Ao aceitar o plano, demonstra a sua aliança com o presidente norte-americano. Isto pode também valer-lhe um valioso capital político em Israel: permitindo-lhe apresentar-se como disposto a terminar a guerra, mas com a certeza de que esta será provavelmente rejeitada pelo Hamas.

Dado que o plano não tem um calendário concreto, particularmente em relação à retirada gradual de Israel, também lhe dá tempo político valioso. Poderá permitir a Netanyahu colocar-se numa posição melhor a nível interno, com eleições nacionais marcadas para Outubro de 2026. Se Netanyahu perceber que a opinião pública muda a seu favor, poderá até antecipar eleições, como fez frequentemente no passado, para capitalizar o momento.


Asher Kaufman é professor de História e Estudos da Paz na Universidade de Notre Dame.

Texto publicado originalmente no The Conversation.