Educação

Tudo para começar pior o ano: o regresso às aulas está cada vez mais difícil

15 de setembro 2025 - 16:41

Encarregados de educação, alunos e professores têm um início de ano dificultado. Entre o aumento das despesas com material escolar, a falta de condições nas escolas e a desvalorização da carreira docente, o regresso às aulas é uma dificuldade real.

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Escola
Fotografia de Paulete Matos.

O período de regresso às aulas é marcado todos os anos por campanhas coloridas e divertidas sobre a alegria do reencontro com os colegas e os professores, mas a cada ano que passa, é mais difícil voltar. As escolas têm piores condições, faltam professores, os fatores de sucesso dos alunos baixam, o aumento de custo de vida torna os professores e encarregados de educação mais pobres.

A escola é cada vez menos local de brincadeiras e aprendizagem. Entre o declínio registado de saúde mental dos estudantes e a subida das taxas de retenção e abandono, torna-se claro que as campanhas de regresso às aulas escondem uma crise cada vez maior.

Para os encarregados de educação, o regresso às aulas é fonte de preocupação financeira. As despesas com material e refeições aumentam todos os anos e, especialmente nas camadas mais pobres da população, são uma grande despesa que faz buracos no orçamento.

Para os estudantes, o início da escola significa muitas vezes mais ansiedade, mais tempo de ecrã e menos tempo de aulas, uma vez que faltam professores por todo o país, e em especial na Área Metropolitana de Lisboa, no Algarve e no Alentejo.

Para os professores, o novo ano letivo pode significar a incerteza de uma colocação longe demais, a incerteza da reforma devido à falta de professores, a sobrecarga de horários, a falta de condições de deslocação e a falta de valorização financeira e social.

Com estas condições, o regresso às aulas está cada vez mais difícil e há todos os indicadores de que este ano se começará pior.

Encarregado de educação: começar setembro com a carteira cheia de preocupações

O regresso às aulas significa um investimento cíclico para os pais. Despesas com material escolar, roupa, material informático ou refeições são uma fonte de preocupação grande que volta à superfície todos os anos. Não é por acaso que as pesquisas nos motores de busca associados ao regresso às aulas devolvam resultados como “Despesas no regresso às aulas: controlar sem desesperar”, “Regresso às aulas está aí. Eis como evitar um ‘choque’ na conta” ou “Planear o regresso às aulas: como utilizar o cartão de crédito”.

O nível de despesa anual com material escolar aumenta com o ciclo de estudos. Segundo cálculos feitos pelo Moneylab, um laboratório de educação financeira, em 2023, estimavam que um cabaz básico de material escolar e roupa desportiva para o primeiro ciclo custava cerca de €82. No segundo ciclo, esse valor aumenta para 123 euros e no terceiro para 180 euros. Para o ensino secundário, no entanto, num curso de Ciências e Tecnologias, os custos ascendem aos 229 euros.

Mas não só os custos aumentam à medida que os alunos avançam no seu percurso escolar, como também aumentam anualmente. Segundo uma análise feita pela plataforma KuantoKusta também em 2023, o preço médio de um cabaz escolar para o segundo ciclo, com oito artigos, entre eles canetas, lápis, cadernos, mochilas e estojos, aumentou em 14% face a 2022 e em 33% face a 2021.

A inflação nos produtos escolares tem levado ao aumento da incerteza para os pais na altura do regresso às aulas. Um estudo da Cetelem, com uma amostra de 1.300 pessoas, das quais 594 são encarregados de educação, confirmou que no ano passado, 27% dos inquiridos admitiram que a sua situação financeira estava “pior” ou “muito pior”. A larga maioria, 48%, consideravam que a sua situação financeira estava igual e apenas 24% diziam que a situação estava melhor.

Já este ano, o mesmo estudo dá conta de que os encarregados de educação estimam gastar 604 euros por educando, representando um aumento face a 2024. O material escolar, a roupa e o material de apoio didático são as principais despesas associadas ao regresso às aulas. Para 43% dos inquiridos, o custo da educação representa “uma fonte de stress” que temem não conseguir financiar. Outra preocupação é a ausência de poupanças específicas para a educação, que pesa em 44% dos inquiridos. Para mais de metade dos consumidores, as despesas com o regresso à escola chegam aos 400 euros.

Aluno: sinónimo de prejudicado

Para os alunos, a situação também é cada vez mais complicada. O regresso às aulas significa muitas vezes o regresso a instalações que não estão bem equipadas ou preparadas. Em 2024, ainda havia escolas públicas sem acesso a internet, o que significa que os alunos que não tiverem acesso à internet em casa também não o terão na escola, não tendo acesso a ferramentas de pesquisa e aprendizagem que outros alunos têm.

Nos últimos anos, as taxas de retenção e o abandono escolar subiram em todos os ciclos. Foram mais de 100 mil alunos a chumbar ou a desistir da escola no ano letivo que terminou em 2023, segundo o Público. A taxa de retenção e desistência vinha caindo até 2019, mas aumentou em 2020 e tem mantido essa tendência, especialmente no ensino secundário e no terceiro ciclo.

Um fator que pode contribuir para a aumento dessa taxa é o declínio da saúde mental nas escolas. De facto, o Observatório de Saúde Psicológica e Bem-Estar Social confirmou através de vários estudos que a saúde mental nas escolas era um problema profundo e que há entre os estudantes da escola secundária vários indícios sintomáticos de depressão e ansiedade, sobretudo no género feminino. Ao mesmo tempo, a lei portuguesa estabelece para o apoio psicológico nas escolas o rácio de um psicólogo para cada 500 alunos. Uma proporção que é insuficiente, torna propício o esgotamento dos profissionais de saúde mental e transforma-os, segundo a psicóloga clínica Mariana Melo e Castro, em “bombeiros a apagar fogos” em vez de “formadores de resiliência”.

Outra catástrofe recorrente nas escolas portuguesas é a falta de professores. Com as aulas a recomeçar, muitos estudantes não têm garantia de ter professores disponíveis para ensinar todas as disciplinas. A falta de professores, para a qual os sindicatos e organizações de educação alertam há mais de dez anos, foi um problema que se começou a sentir agudamente na sociedade portuguesa em 2021. A Área Metropolitana de Lisboa, o Alentejo e o Algarve são das regiões mais afetadas pela falta de professores e onde os alunos correm o risco de ver as suas aprendizagens prejudicadas por incapacidades letivas.

A CNN Portugal indica que, no arranque das aulas, metade das escolas ainda não têm os professores todos. Essa situação tenderá a agravar-se com a aposentação de centenas de professores até novembro. O ministro da Educação reconheceu as falhas, enquanto a Fenprof dá conta de 93 mil alunos ainda sem professores atribuídos.

Professor: antónimo de segurança

Da parte dos docentes, há muitos a reformarem-se, e por isso serão precisos professores por todo o país. No arranque deste ano letivo, há cerca de 700 professores que estão a entrar para a reforma. Os números revelam uma tendência geral: mais de 16% dos professores desejam aposentar-se antecipadamente, segundo um inquérito da Federação Nacional de Educação a mais de 3.500 docentes. A razão também é clara, os professores “entendem que a sociedade não tem um reconhecimento positivo do seu trabalho, e consideram ainda que não têm uma remuneração que corresponda ao nível das qualificações e competências que lhes são exigidas”, explica o inquérito. Aliás, a grande maioria (89%) não aconselharia um jovem a ser professor e diz que as perspetivas de desenvolvimento da carreira são pouco ou nada atrativas. E 94% dos docentes inquiridos estão insatisfeitos com a sua remuneração.

E o Conselho Nacional da Educação (CNE) tem vindo mesmo a alertar para o envelhecimento da classe docente em Portugal. Segundo o relatório “Estado da Educação 2023” (o último disponível), lançado pelo CNE, cerca de 60% dos docentes tinham 50 ou mais anos de idade, Para cada professor com menos de 35 anos de idade, há 13 com 50 ou mais anos. Significa isso que um quarto dos docentes poderão sair do sistema educativo nos próximos anos, agravando ainda mais a falta de professores. As coisas estão ligadas: com carreiras pouco atrativas, há poucos professores jovens.

Como se combate esse problema? O Governo escolheu inicialmente um plano que tem como medidas principais a contratação de docentes já reformados através de um reforço salarial, o reforço de horas extraordinárias, e a articulação de um processo que coloque os bolseiros de investigação a ensinar na escola pública. A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) apelidou o projeto de “plano de desespero”.

Ao longo do último ano, os sindicatos têm vindo a contestar as medidas que o Governo quer aplicar na educação, sublinhando a necessidade da revisão dos salários, das carreiras, dos horários, condições de trabalho, apoios à deslocação e incentivos à fixação de professores em zonas carenciadas.