Nota da edição: Este artigo foi escrito antes de ser conhecido o resultado eleitoral das presidenciais dos EUA e antes de Trump ter nomeado um dos principais arquitetos do documento Projeto 2025, Russell Vought, para voltar a chefiar o Gabinete de Gestão e Orçamento. Este é diretamente responsável pela escrita do capítulo do texto sobre como redefinir o poder executivo através do despedimento de milhares de funcionários públicos.
As propostas políticas dos grupos de reflexão raramente fazem manchetes, mas 2024 não é um ano comum e o Projeto 2025 não é um conjunto habitual de planos para o governo. Trata-se de um conjunto de planos não muito secreto que os republicanos elaboraram para estarem prontos a entrar na Casa Branca, se forem eleitos, e começarem imediatamente a trabalhar.
Mas a reviravolta nesta história é que o candidato presidencial republicano Donald Trump diz que não sabe nada sobre isso, ou será que sabe?
De forma incongruente, Trump declarou que: “Não sei nada sobre o Projeto 2025” e ‘não concordo com algumas das coisas que eles dizem’.
Isto apesar de muitos dos autores do documento, preparado pelo think-tank de direita Heritage Foundation, terem uma associação próxima com Trump e o seu círculo íntimo, e muitos esperarem receber cargos se ele for eleito. Um dos autores chegou mesmo a dizer recentemente que Trump tinha dado a sua bênção ao documento.
Embora Trump possa estar a tentar manter o Projeto 2025 escondido, parece que os Democratas não o estão a fazer. O Projeto 2025 foi mencionado em vários discursos na Convenção Nacional Democrata em Chicago, inclusive pelo candidato a vice-presidente Tim Walz.
A escala, a ambição e o impacto das propostas apresentadas no Projeto 2025 dão uma ideia do que poderá ser o Trump 2.0 e traduzem a frustração da direita com a primeira presidência de Trump. Quando Trump ganhou inesperadamente as eleições de 2016, tinha poucos planos concretos sobre o que fazer no cargo. A sua inexperiência foi exacerbada pela sua abordagem não estruturada do dia a dia de trabalho. Como observou Kim Darrock, antigo embaixador do Reino Unido em Washington: “Ele não queria uma agenda cheia de reuniões formais... Queria decidir, espontaneamente, hora a hora, o que ia fazer a seguir”. Na prática, isto significava que a maior parte dos dias era consumida pelo “tempo executivo” - ver televisão por cabo e telefonar aos seus amigos do golfe.
Como resultado, a administração de Trump conseguiu muito pouco durante o seu mandato. Foi por esta razão que a Fundação Heritage tem vindo a planear desde 2022 para garantir que um segundo mandato de Trump não seja desperdiçado. Esse planeamento consiste em preparar um elenco de leais a Trump, controlados e prontos para substituir funcionários públicos de carreira no “deep state” e esta publicação, Mandate for Leadership: The Conservative Promise (vulgarmente designado por Projeto 2025), que apresenta 920 páginas de medidas de direita em todas as áreas do governo.
Planos para uma ação rápida
Embora não haja nada de invulgar nos grupos de reflexão que preparam sugestões políticas para uma nova administração em Washington, o que se destaca no Projeto 2025 é a escala da ambição e a natureza radical das mudanças que propõem.
No centro dos seus ambiciosos objetivos está o desejo de deslocar o equilíbrio do poder para a presidência, colocando toda a burocracia federal, incluindo agências independentes como o FBI e o Departamento de Justiça, sob controlo direto do executivo. Tal medida permitiria ao próximo presidente dirigir estas agências a seu bel-prazer, poder “confiscar” verbas votadas pelo Congresso e reorientá-las para os seus próprios fins e marginalizar o poder legislativo.
Outro fator-chave desta estratégia é a substituição de funcionários públicos de carreira para garantir que não obstruam a agenda radical da Casa Branca, substituindo-os por apoiantes de Trump. Uma análise efectuada pela agência noticiosa AP indica que isto poderá significar a saída de 50.000 funcionários federais.
Para tal, a Heritage Foundation tem estado a recrutar e a entrevistar ativamente conservadores leais para estarem prontos a ocupar os novos cargos governamentais vagos. Segundo as suas próprias palavras, está a reunir “um exército de conservadores alinhados, controlados, formados e preparados para trabalharem no primeiro dia na desconstrução do Estado Administrativo”.
Para executar a sua agenda, o Projeto 2025 propõe a abolição de vários departamentos governamentais - incluindo a Segurança Interna, o Departamento de Educação e a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA). Este último plano é elucidativo da abordagem mais alargada. A NOAA é descrita como “um dos principais motores da indústria do alarme sobre as alterações climáticas”, e a resposta ideológica é abolir o organismo científico que produz provas que fundamentam o impacto das alterações climáticas.
O FBI, o ódio de estimação de Trump, também é visado, sendo descrito como “uma organização inchada, arrogante, cada vez mais sem lei” e que precisa de uma reforma radical.
As ideias nacionalistas cristãs estão no centro das motivações de muitas das propostas. O primeiro objetivo do projeto é: “Restaurar a família como a peça central da vida americana e proteger as nossas crianças”. O que isto significa na prática é uma visão restritiva da família em que “homens e mulheres casados são a estrutura familiar ideal e natural, porque todas as crianças têm o direito de ser criadas pelos homens e mulheres que as conceberam”.
A oposição ao aborto está presente em todo o documento e é central em muitos dos seus capítulos. O primeiro objetivo da política de saúde, por exemplo, afirma que todos os “programas e atividades estão enraizados em um profundo respeito pela vida humana inocente desde o primeiro dia até a morte natural: o aborto e a eutanásia não são cuidados de saúde”.
Proibir a pornografia, erguer o muro e abolir a Reserva Federal
Noutras áreas políticas, o Projeto 2025 defende o fim dos esquemas de redução das emissões de carbono e apoia a exploração sem restrições de petróleo e gás. Propõe a redução dos impostos sobre as empresas e sobre o rendimento, a abolição da Reserva Federal dos EUA e o aumento das despesas com a defesa. Estas medidas seriam pagas através de cortes na prestação de cuidados de saúde nos EUA, no Medicaid e no Medicare e noutros organismos e programas governamentais.
A imigração seria combatida com um muro fronteiriço a toda a largura. A pornografia seria proibida. A China é o centro da sua política externa, onde adverte que “uma ditadura comunista totalitária em Pequim está empenhada numa guerra fria estratégica, cultural e económica contra os interesses, os valores e o povo dos Estados Unidos”.
Estão a ser redigidas muitas ordens executivas, prontas a serem aplicadas rapidamente. O modelo que têm em mente é a versão de 1981 deste plano que o Governo de Ronald Reagan utilizou para avançar rapidamente nas questões a que dava prioridade. No final desse ano, mais de 60% das suas recomendações tinham-se transformado em políticas durante o mandato de Ronald Reagan. Se esse padrão se repetirá em 2025 é agora uma questão central das eleições presidenciais de novembro.
David Hastings Dunn é Professor de Política Internacional no Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais, Universidade de Birmingham. Artigo publicado em The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net