As contradições relativas aos combustíveis fósseis que mantemos enquanto espécie são infinitas. Um país como os Países Baixos, com uma altitude média de 30 metros acima do nível do mar e com um quarto do seu território abaixo do nível do oceano que o banha, gasta – segundo o SOMO Centre for Research on Multinational Corporations – 37,5 mil milhões de euros por ano em subsídios para combustíveis que provocam alterações climáticas que ameaçam a própria existência do país.
No entanto, o forte movimento climático do país obteve várias vitórias nos últimos anos. Haia, a cidade onde um tribunal condenou a empresa petrolífera Royal Dutch Shell por provocar a crise climática, aprovou uma proposta que proíbe a publicidade aos combustíveis fósseis, tornando-se a primeira cidade do planeta a fazê-lo através de uma lei local.
A nova legislação, que entrará em vigor a 1 de janeiro de 2025, não se limita às mensagens publicitárias de empresas dedicadas à extração, transformação e comercialização de combustíveis fósseis. Também eliminará completamente do espaço público os anúncios sobre produtos e serviços com elevadas emissões, como viagens de avião, cruzeiros ou veículos a combustão.
A decisão surge na sequência da campanha “Mundo sem anúncios fósseis”, que pretende pôr termo a este tipo de mensagens comerciais, à semelhança do que tem sido feito com outros produtos em muitos países e espaços, como o tabaco. “Haia quer ser neutra para o clima até 2030. Por isso, não faz sentido permitir a publicidade de produtos da indústria fóssil”, afirmou Leonie Gerritsen, vereadora do Partido dos Animais, a formação que apresentou a proposta.
No entanto, Haia não é a única cidade a considerar esta possibilidade, embora seja a primeira a torná-la realidade: o conselho municipal de Edimburgo (Escócia) tomou uma decisão semelhante, embora de menor alcance, em maio passado, ao proibir a publicidade a combustíveis fósseis nas propriedades da cidade. Em Toronto, no Canadá, está em cima da mesa uma moção para “restringir a publicidade falsa e enganosa dos grupos de pressão do petróleo e do gás” nos transportes públicos. Medidas semelhantes foram propostas noutras cidades, como Graz (Áustria), neste caso sem sucesso. Femke Sleegers, do Reclame Fossielvrij (Publicidade livre dos Combustíveis fósseis), afirma que “esta decisão pode ter um efeito de bola de neve a nível mundial”.
Verbas multimilionárias para “distorcer a verdade”
Longe de se restringir à escala local, a proibição da publicidade a serviços que aceleram a crise climática tem um alcance mais global. A 5 de junho, Dia do Ambiente, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, declarou: “insto todos os países a proibirem a publicidade das empresas de combustíveis fósseis. E apelo às empresas de comunicação social e de tecnologia para que deixem de aceitar publicidade a combustíveis fósseis”.
O Secretário-Geral não se limitou a formular o pedido, mas também criticou fortemente o sector das energias fósseis. “Foram gastos milhares de milhões de dólares para distorcer a verdade, enganar o público e semear dúvidas”, assinalou, referindo-se ao lóbi das empresas que descreveu como ‘padrinhos das alterações climáticas’, e às suas comunicações públicas.
A eliminação das comunicações comerciais do sector com maior peso na catástrofe climática é uma das medidas para travar a crise que os cientistas têm sublinhado em numerosas ocasiões. É o que afirma o documento “A proibição da publicidade aos combustíveis fósseis é essencial, mas são também necessárias outras medidas”, enviado por um painel de cientistas ao Ministro do Clima neerlandês.
Um deles, Thijs Bouman, defende que “a publicidade aos combustíveis fósseis normaliza e promove comportamentos insustentáveis e desencoraja comportamentos sustentáveis, minando ativamente a atual política climática”. Para ele, seriam necessários grandes investimentos públicos para contrariar os efeitos negativos deste tipo de publicidade.
Pablo Rivas é coordenador de Clima e Meio Ambiente no El Salto.
Publicado originalmente no El Salto.