Indústria do gás usa guerra na Ucrânia para tornar UE refém do fóssil, alerta Greenpeace

01 de maio 2023 - 16:07

Greenpeace mostra como as empresas de gás lucram com a guerra e como os planos da União Europeia no sentido de aumentar exponencialmente a capacidade de importação de gás natural liquefeito se traduzirão num aumento das emissões de CO2 de 950 milhões de toneladas por ano.

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Foto Malova Gobernador/Flickr

No relatório “Quem lucra com a guerra – como as empresas de gás capitalizam com a guerra na Ucrânia”, a Greenpeace Internacional conta “toda a história de um sistema de energia falido que responde aos interesses dos poluidores, não das pessoas”.

No documento são tidas em conta “todas as partes do sistema, desde as comunidades que sofrem com o fracking nos EUA, até os intermediários da indústria do gás (a Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão, ENTSO-G) que manipulam e prejudicam as políticas do clima e da energia, e as famílias que mais uma vez terão que pagar por tudo, enquanto as empresas de combustíveis fósseis arrecadam lucros recordes”.

Anusha Narayanan, líder do projeto global da Greenpeace nos EUA para interromper a expansão dos combustíveis fósseis, afirmou que “a indústria de gás – produtores e operadores – usou a guerra Rússia/Ucrânia para afastar as prioridades políticas dos EUA e da Europa das metas climáticas com histórias sobre segurança energética”.

“Os líderes americanos e europeus não devem ser enganados. Os cidadãos votaram pela ação climática transformadora. Os governos devem liderar a luta climática, não ser manipulados por operadores de gás que sacrificam a saúde e a segurança das comunidades simplesmente para aumentar os seus lucros”, vincou.

A “doutrina do choque” da indústria de gás

A organização não governamental ambiental denuncia a “doutrina do choque”, em que as operadoras de gás, na sequência da invasão da Ucrânia, “rapidamente mudaram as suas mensagens públicas e o seu lóbi de ‘transição energética’ para ‘segurança energética’, e cinicamente usaram a oportunidade para amedrontar os governos e levarem-nos a fazer investimentos massivos e desnecessários em expansão das importações de gás fóssil e infraestruturas”.

“Essas táticas resultaram numa crise de fornecimento de energia de curto prazo, que foi respondida com um aprisionamento ao combustível fóssil a longo prazo, na forma de nova infraestrutura, contratos de décadas e impacto ambiental nos EUA, bem como na UE”, escreve a Greenpeace.

Portugal também é visado neste relatório. Em causa está o acordo celebrado entre a Galp e a NextDecade para compra de GNL norte-americano proveniente do projecto Rio Grande LNG, no Texas. O negócio prevê a entrega, a partir de 2027, de um milhão de toneladas anuais durante 20 anos.

Perigos da expansão do gás não travam governos e gigantes da energia

De acordo com a organização mundial, “o plano REPowerEU, a resposta da UE à crise do gás, incluiu cerca de 10 mil milhões de euros em financiamento para infraestruturas de gás”. Atualmente, oito terminais de gás liquefeito estão em construção e outros 38 foram propostos.

A Greenpeace adverte que “essa expansão de GNL ameaça a saúde das comunidades que vivem perto desses terminais de exportação, locais de extração e oleodutos”, ao mesmo tempo que aumentam perigosamente as emissões para níveis que tornam impossível responder às metas climáticas globais.

Os perigos do investimento na expansão do gás não detêm governos e não detêm os gigantes da energia, com os acionistas das cinco maiores empresas de petróleo e gás do mundo a obterem lucros recordes de 192 mil milhões de euros e a distribuírem 93 mil milhões de euros na forma de dividendos e recompra de ações em 2022.

“Um aumento das emissões de CO2 de 950 milhões de toneladas por ano”

De acordo com a Greenpeace, os planos dos governos da UE passam por “construir tanta capacidade de importação de GNL que, se concretizada, aumentaria as emissões de gases com efeito de estufa do bloco até ao equivalente a 950 milhões de toneladas de dióxido de carbono [CO2] por ano ou o equivalente 32% do total de CO2 da UE em 2019”.

Esses planos “ameaçam criar um super-abastecimento estrutural massivo de gás fóssil na Europa, o que acelerará a crise climática, criará dependências que enfraquecerão a segurança energética europeia e criarão ativos ociosos no valor de milhares de milhões de euros”.

A Greenpeace exorta a UE a “parar a construção de novos terminais de GNL, a proibir novos contratos de gás a longo prazo, a fixar uma data para a eliminação progressiva do gás fóssil até 2035, a tornar obrigatória a meta europeia de 15% de redução da procura de gás fóssil e a resolver conflitos de interesse e a expulsar a indústria dos combustíveis fósseis da tomada de decisões, proibindo as empresas de petróleo, carvão e gás e os seus representantes de exercer pressão sobre a UE em matéria de política climática e energética".