O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa decidiu que a Câmara Municipal de Loures está “impedida de executar o ato de demolição” das habitações auto-construídas no Bairro do Talude Militar. Deve ainda abster-se “de qualquer conduta que coloque em causa e/ou contrarie o ora determinado”.
Tal acontece porque esta instância aceitou “provisoriamente a providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo” que tinha sido apresentada por 14 moradores deste bairro.
A “situação de especial urgência” foi verificada pelo tribunal e, assim sendo, a notificação da decisão foi feita “de imediato e da forma mais expedita”.
A Câmara tinha iniciado esta segunda-feira a destruição de 64 habitações precárias auto-construídas no Talude Militar nas quais vivem 161 pessoas. De acordo com o seu próprio balanço, no primeiro dia foram destruídas 51 das casas. Os moradores tinham sido confrontados com a ordem na passada sexta-feira ao fim da tarde, ficando por isso impedidos de reagir legalmente de forma imediata. A autarquia alegou estar assim a cumprir o prazo de 48 horas que a lei determina. Na versão da Câmara, pela boca da vereadora Paula Magalhães, do PS, esse prazo existe apenas para as pessoas retirarem os seus bens, mas o facto da notificação ter sido feita imediatamente antes do fim de semana impediu o acesso ao direito efetivo que é recorrer aos tribunais para os visados defenderem os seus direitos.
O Vida Justa tinha já denunciado, face a isto, que se está perante “uma tentativa de impedir o direito constitucional à tutela jurídica”, nomeadamente o direito consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que garante o acesso ao direito e um processo equitativo.
A Lusa consultou sobre estes factos João Gaspar Simões, advogado especialista em Direito Administrativo, que afirmar ter havido “uma intenção maliciosa de coartar a capacidade de recurso”. O jurista acrescenta ainda que “é manifestamente uma atuação que pretende retirar as garantias de defesa administrativa e jurisdicional que a Constituição assegura aos cidadãos”, remetendo para os artigos 266 a 268 da Constituição sobre garantias administrativas.
Recorda ainda que nem sequer se podia recorrer para o órgão que praticou o ato porque “os serviços da Câmara estão fechados ao fim de semana”.
Bloco condena despejos sem alternativa habitacional
Os núcleos do Bloco de Esquerda de Esquerda em Loures e na Amadora tinham já exigido a "suspensão imediata de todas as demolições que não tenham previstas soluções de realojamento adequado”. Recorde-se que na Amadora, outra autarquia de maioria PS, o mesmo tipo de procedimentos de notificação no final da tarde de sexta-feira para iniciar demolições na manhã de segunda-feira.
O Bloco de Esquerda de Loures tinha criticado em comunicado a “falta de humanismo” da autarquia da sua área, com as demolições a serem consideradas “um ataque violento aos direitos das populações mais vulneráveis do concelho e uma clara violação da dignidade humana”.
O núcleo de Loures do partido salientava que estas ações têm estado a ser executadas “sem diálogo com os cidadãos, sem a presença obrigatória de assistente social e sem soluções reais de realojamento”, revelando “a crueldade de um poder autárquico que prefere exibir força em vez de resolver problemas sociais”.
A governação do PS em Loures era desta forma criticada pela sua “insensibilidade e a falta de humanismo” mas também pela sua “desresponsabilização sistemática” sobre problemas habitacionais.
O Bloco da Amadora defendia igualmente que “demolições sem alternativa não são solução”, denunciando que se tenham “empurrado” “famílias inteiras sem qualquer alternativa habitacional digna” para “situações ainda mais precárias”.
A resposta da Câmara é considerada portanto ao mesmo tempo “ineficaz e desumana”. Ao invés, o Bloco propõe medidas como a criação de centros de alojamento de emergência, com refeições, higiene pessoal e apoio à saúde; a melhoria das respostas de emergência social “para que ninguém fique sem apoio imediato”, a criação de mais oferta de habitação municipal, acessível e estável, a implementação do modelo “Housing First”, que garante casa primeiro, e depois o acompanhamento social e o “acompanhamento real no encaminhamento para as soluções do governo central, sem abandono”.