Susana Medeiros, independente, é a primeira candidata indicada pelo Bloco de Esquerda na Coligação Unidos por Ponta Delgada, que junta BE, PS, PAN e Livre e é encabeçada pela ex-secretária de Estado da Igualdade e Migrações Isabel Rodrigues, com o objetivo promover uma verdadeira mudança em Ponta Delgada, nos Açores, depois de mais de 30 anos consecutivos de governação do PSD.
Susana Medeiros é Mestre em Economia e Mestre em Gestão pela Universidade dos Açores, tendo anteriormente concluído a licenciatura em Sociologia. O seu percurso académico reflete um forte compromisso com a análise crítica das realidades económicas e sociais, com especial foco na gestão pública, desenvolvimento regional e justiça social.
O Bloco concorre à Câmara Municipal de Ponta Delgada em coligação com PS, PAN e Livre. Qual é o papel do Bloco nesta coligação?
O Bloco de Esquerda assume um papel determinante nesta coligação, com um compromisso claro: garantir que a alternância política seja também uma mudança real de políticas e de prioridades. Depois de mais de 30 anos de governação do PSD, marcada por um modelo esgotado, assente em decisões pouco participadas, desequilíbrio territorial e ausência de uma visão de futuro para o concelho, é tempo de construir um novo rumo para Ponta Delgada, mais justo, transparente e participado. Durante os últimos quatro anos, o Bloco esteve sempre do lado da população, com uma intervenção firme e propositiva na Assembleia Municipal: denunciámos injustiças, apresentámos propostas concretas e exigimos soluções para os problemas reais. Este percurso dá-nos legitimidade e responsabilidade para negociar um programa comum progressista, que coloque a habitação, os transportes, a justiça social e ambiental no centro da governação municipal.
Entramos nesta coligação com sentido crítico e construtivo. E em caso de vitória com maioria absoluta, o Bloco irá integrar o executivo municipal, garantindo que o acordo de coligação é respeitado e que a governação não se desvia dos princípios acordados. O nosso papel é claro: ser uma força de exigência, fiscalização e transformação, que constrói uma Ponta Delgada mais solidária, ecologicamente responsável e com políticas centradas nas necessidades reais da população.
Quais são os principais problemas que é preciso resolver em Ponta Delgada?
A Habitação é neste momento um dos grandes problemas de Ponta Delgada. A crise no acesso à habitação agrava-se de ano para ano. Faltam políticas públicas que travem a especulação e garantam casas dignas e acessíveis para quem aqui vive e trabalha. Ao nível da mobilidade, a rede de transportes é insuficiente, cara e mal articulada, penalizando quem vive fora do centro. Precisamos de transportes gratuitos para quem mais precisa e de um plano sério de mobilidade sustentável.
A pobreza, o aumento das pessoas sem-abrigo, as desigualdades e a toxicodependência são realidades preocupantes perante as quais o município não pode continuar a fechar os olhos. Faltam respostas estruturadas e integradas. Além disso, há um claro desequilíbrio territorial em Ponta Delgada. Muitas freguesias continuam sem acesso a serviços básicos, a espaços públicos de qualidade ou a equipamentos sociais.
A dificuldade de acesso à habitação é transversal a quase todo o país. Qual é o cenário concreto em Ponta Delgada e como é que a autarquia pode dar resposta às pessoas?
Em Ponta Delgada, o acesso à habitação transformou-se num dos maiores fatores de exclusão social. Nos últimos anos, os preços das casas dispararam — só entre 2023 e 2024, o valor por metro quadrado subiu quase 21 %, colocando o concelho no topo nacional deste aumento. Esta realidade tem um impacto brutal na vida das pessoas: mais de 16 % das famílias vivem em sobrelotação, 10 % em casas degradadas, e cerca de 40 % não conseguem sequer aquecer a sua casa no inverno.
Esta crise não caiu do céu — é o resultado direto de políticas erradas e de décadas de inação. A Câmara tem fechado os olhos à especulação, ignorado a urgência habitacional e favorecido a proliferação do alojamento local. Há freguesias — como São Sebastião, Mosteiros, São Roque ou São José — onde mais de 10 % das casas estão convertidas em alojamento turístico, o que agrava ainda mais a falta de oferta habitacional acessível.
O Bloco de Esquerda quer romper com esta lógica. Defendemos um plano municipal de habitação ambicioso e participado, que comece por um diagnóstico sério das carências reais e avance para soluções concretas: construção e reabilitação de habitação pública, arrendamento acessível e apoio direto às famílias e jovens que não conseguem aceder a uma casa no mercado atual.
Mas isso não chega. É urgente regulamentar o alojamento local, criando zonas de contenção e impondo limites por freguesia, como já acontece noutras cidades do país. A habitação tem de servir primeiro quem aqui vive — não pode continuar a ser tratada como mercadoria para rendimento fácil.
A habitação é um direito e não um privilégio. O município tem o dever de garantir que todos têm onde viver com dignidade. O Bloco está preparado para isso: com propostas concretas, com coragem política e com uma visão clara de que uma cidade justa começa por ter lugar para todos.

Quais são os principais problemas sociais do concelho e como avalia a atuação do atual executivo?
Ponta Delgada vive uma realidade social difícil, que tem sido sistematicamente ignorada ou tratada com superficialidade pelo executivo do PSD. A verdade é que continuamos num dos concelhos mais marcados pela pobreza, pela exclusão social e pelas desigualdades nos Açores — e, infelizmente, isso sente-se todos os dias nas ruas, nas freguesias e nos serviços que faltam.
Só para termos uma ideia, os dados mais recentes mostram que mais de 25 % da população dos Açores vive em privação material e social, ou seja, sem capacidade para pagar rendas, aquecer a casa no inverno, ter uma alimentação adequada ou lidar com uma despesa inesperada. E dentro desta realidade, o concelho de Ponta Delgada tem um peso enorme.
Além disso, somos também dos concelhos que apresenta maior desigualdade na distribuição de rendimento — o chamado coeficiente de Gini está acima da média nacional. Isto quer dizer que há poucos com muito, e muitos com pouco. E o município continua sem uma resposta consistente a este problema.
Ora, o executivo PSD gosta de apresentar medidas como se fossem grandes vitórias — mas quando olhamos com atenção, percebemos que muitas são apenas simbólicas. É o caso do projeto Housing First, que o Bloco de Esquerda sempre defendeu como política estruturante no combate à exclusão. Mas em Ponta Delgada, depois de todo o anúncio, foram retiradas apenas duas pessoas da rua no primeiro ano. Sim, duas. Agora, prevêem-se cinco. É positivo? Sim. Mas é manifestamente insuficiente. Estamos a falar de um concelho onde há pessoas que vivem na rua há mais de cinco anos.
Outro exemplo é o apoio municipal à natalidade, que foi apresentado como uma medida social, mas que, na prática, exclui precisamente as famílias mais pobres. O acesso ao apoio é condicionado a rendimentos mínimos, o que faz com que muitas famílias com menos recursos — aquelas que mais precisariam desse incentivo — fiquem de fora. Esta lógica de exclusão social é, no mínimo, inaceitável.
E o mais grave é que não existe uma estratégia integrada para combater a pobreza no concelho. Não há metas, não há indicadores, não há plano. Há respostas pontuais, ações dispersas, muita propaganda — mas pouca transformação real.
Combater a pobreza não se faz com anúncios — faz-se com coragem política, com compromisso social e com políticas públicas que mudam mesmo a vida das pessoas.
Ponta Delgada não pode continuar a fingir que não vê. O Bloco está aqui para garantir que ninguém fica para trás.
De que forma é que a autarquia deve enfrentar estes problemas sociais?
A resposta da autarquia aos problemas sociais não pode continuar a ser tímida, simbólica ou feita apenas para comunicação política. É preciso uma mudança estrutural na forma como se olha para a pobreza, a exclusão e a desigualdade em Ponta Delgada.
A autarquia deve assumir que tem um papel central e ativo na construção de justiça social. Isso começa por elaborar um Plano Municipal de Inclusão Social, construído com base em dados concretos e participação das instituições sociais, juntas de freguesia, associações e, acima de tudo, das próprias pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. Esse plano deve ter metas claras: reduzir a taxa de privação material severa, eliminar as situações de sem-abrigo crónico, garantir habitação condigna e acesso a serviços básicos em todas as freguesias.
Temos de passar da medida avulsa para a estratégia com continuidade, para isso é essencial aproximar os serviços sociais das pessoas. É preciso reforçar as equipas técnicas nas freguesias mais vulneráveis, criar respostas descentralizadas transporte solidário, por exemplo, para garantir que ninguém fica para trás por viver longe do centro.
Por fim, a autarquia deve liderar pelo exemplo, valorizando os trabalhadores dos seus serviços sociais, reforçando os protocolos com instituições de solidariedade, e criando espaços de escuta ativa das comunidades.
O que o Bloco propõe é claro: transformar a ação social da Câmara numa prioridade de governação — com investimento, planeamento e compromisso com a dignidade de todos os que aqui vivem.
Ponta Delgada tem de ser uma cidade para todos — e isso começa com justiça social.
Os transportes são também uma área fundamental para uma cidade com a dimensão de Ponta Delgada. Que medidas devem ser implementadas ao longo do próximo mandato?
Ponta Delgada tem crescido de forma dispersa, com um número crescente de pessoas a viver nas freguesias periféricas e a trabalhar ou estudar no centro da cidade. Mas a rede de transportes públicos não acompanhou essa evolução. Hoje, os transportes em Ponta Delgada são insuficientes, pouco frequentes, caros e mal articulados. Resultado: quem não tem carro está limitado; quem tem, não larga o carro — e o trânsito, a poluição e os custos continuam a aumentar.
A nossa visão é clara: a mobilidade tem de ser um direito, não um luxo. E para isso é preciso garantir transportes acessíveis, frequentes e pensados para as pessoas.
Por isso, defendemos um modelo de transporte gratuito.
Depois, é preciso reforçar as rotas e os horários. Há muitas freguesias que têm poucos autocarros por dia, com horários que não batem certo com os turnos de quem trabalha ou os horários escolares. Queremos mais ligações, mais frequência e mais fiabilidade.
Mobilidade não é só transporte — é acesso ao trabalho, à escola, ao centro de saúde. É liberdade. E essa liberdade tem de estar ao alcance de todos.