Como a Europa (e Portugal) contornam as sanções que impuseram à Rússia

28 de fevereiro 2024 - 11:48

Desde o início da invasão da Ucrânia, as exportações portuguesas para países como o Quirguistão, o Usbequistão, o Cazaquistão e a Arménia dispararam. Um estudo agora divulgado reforça a conclusão de que não se trata de uma atração recente desta região pelos produtos nacionais mas de um contornar das sanções à Rússia.

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Porto de Anapa, Rússia. Foto de Alexxx Malev/Flickr.
Porto de Anapa, Rússia. Foto de Alexxx Malev/Flickr.

Na passada sexta-feira, véspera do segundo aniversário da invasão da Ucrânia pelo exércitos de Putin, a Comissão Europeia e o Conselho manifestavam acordo, com pompa e circunstância, para um 13º pacote de sanções contra a Rússia. Anunciava-se então oficialmente mais um “enorme golpe àqueles que permitem a guerra ilegal da Rússia contra a Ucrânia”, aumentando o número de entidades e indivíduos sancionados para mais de 2.000.

Contudo, as mesmas medidas reconheciam a necessidade de lutar contra uma realidade: o contornar destas sanções por parte do empresas dos países da própria União Europeia. Até o próprio “complexo militar-industrial russo” estará a ser abastecido por componentes da comunidade europeia. Acrescentava-se assim mais 27 empresas russas e de outros países, como a China, o Cazaquistão, a Índia, a Sérvia, a Tailândia, o Sri Lanka e a Turquia, às que se considerava estarem associadas à indústria de guerra russa e acrescentavam-se alguns materiais tecnológicos, como os que permitem a construção de drones por exemplo, à lista de produtos sancionados.

Um contornar “massivo”

Um estudo realizado por especialistas da Escola de Gestão do IÈSEG, de Lille, divulgado esta segunda-feira, revela a verdadeira dimensão deste fenómeno que não é só uma nota de rodapé na história das sanções. De acordo com os autores, as sanções estão mesmo a ser “contornadas massivamente” através de vendas a países terceiros, citando-se Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Quirguistão, Cazaquistão, Turquia ou Usbequistão e os Emirados Árabes Unidos.

À Euractiv, Eric Dor, diretor de Estudos Económicos da instituição académica e autor do estudo, considera que, apesar do que tem sido propagandeado, ao longo destes dois anos “a UE tem estado a contribuir involuntariamente para o esforço de guerra da Rússia”.

Outro especialista ouvido pelo mesmo órgão de comunicação social, Janis Kluge, da Instituto Alemão dos Assuntos Internacionais e de Segurança, indica que neste capitalismo de guerra há até “toda uma indústria que surgiu, que é dedicada a contornar as sanções – porque é um negócio de milhares de milhões de dólares”.

No relatório agora divulgado, a estimativa é que as exportações de produtos sancionados para empresas de países terceiros que depois os revendem tenham, entre outubro de 2022 e setembro de 2023, aumentado 2.979 mil milhões de euros (81,55%) comparativamente com igual período do ano anterior. Tendo em conta que até setembro do ano passado, as exportações para a Rússia desse tipo de bens caíram 3.231 mil milhões de euros (menos 95,44%) considera-se que esta quebra foi quase totalmente compensada.

Por exemplo, desde o início da invasão da Ucrânia as exportações deste tipo de itens para o Quirguistão aumentaram 1.682,47%, para o Cazaquistão 333,18% e, para a Turquia que também vende à Rússia, 72,45%.

Deixa-se claro na investigação que “o aumento destas compras por parte de países terceiros é demasiado grande para ser inteiramente causado por um aumento na procura local, de modo que se pode suspeitar que uma grande parte foi posteriormente exportada para a Rússia” e que há uma identidade entre os tipos de produtos que deixaram de ser exportados para a Rússia e que passaram a ser exportados para este tipo de países.

Em Portugal também se contornam as sanções

O Público dá conta deste fenómeno na realidade portuguesa. O exemplo do Quirguistão é ilustrativo. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2021 as exportações para este país eram inferiores a 200 mil euros. Em 2023, eram mais de 1,4 milhões de euros, um aumento de 681,9%. No caso dos químicos vendidos ao país, passou-se de uns insignificantes cem euros no primeiro daqueles anos para mais de 80 mil euros.

Aumentos fortes nas vendas destes produtos também se registaram no mesmo período no caso do Usbequistão (211,64%), do Cazaquistão (258,43%) e da Arménia para onde “mais do que quadruplicaram”.

Nas vendas totais, a troca de mercados em tempo de guerra parece estar a ser altamente lucrativa. De acordo com o INE entre 2021 e 2023 as exportações para a Rússia caíram 103 milhões de euros. Enquanto as exportações para os nove países à volta dela cresceram 474 milhões de euros. Na madeira e cortiça, as empresas nacionais deixaram de vender à Rússia valores da ordem dos 24 milhões de euros, aumentando em 23,1 milhões de euros o valor do vendido aos países vizinhos da Rússia. O mesmo jornal refere que a mesma tendência “também muito clara nos produtos químicos, nos plásticos, nos materiais de transporte, nos metais e nos produtos minerais”.

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