EUA

Funcionários do DOGE demitem-se em nome da defesa dos serviços públicos

26 de fevereiro 2025 - 18:07

O prazo dado por Musk para os funcionários públicos comunicarem o que andaram fazer na última semana sob ameaça de despedimento terminou e a Casa Branca anunciou que um milhão respondeu. Ao mesmo tempo que esclareceu que o homem mais rico do mundo afinal não é o chefe do organismo criado para desfazer o Estado.

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Trump, Milei e a motosserra que este usa como símbolo dos cortes no Estado.
Trump, Milei e a motosserra que este usa como símbolo dos cortes no Estado. Foto de Will Oliver/EPA/Lusa.

Esta terça-feira, 21 funcionários do Departamento de Eficiência Governamental, conhecido como DOGE pela sua sigla em inglês e um piscar de olho a uma criptomoeda favorecida por Musk, demitiram-se. Numa carta conjunta, os trabalhadores que incluem engenheiros, cientistas de dados, gestores de produto, designers e o principal responsável pelo setor da Tecnologia, e que tinham sido contratados para o Serviço Digital dos Estados Unidos na administração de Obama, explicam estar contra as orientações de Elon Musk. E recusam utilizar as suas capacidades “para comprometer os principais sistemas governamentais, pôr em perigo dados confidenciais dos norte-americanos ou desmantelar serviços públicos essenciais”.

Acrescentam que juraram “servir o povo norte-americano e manter o nosso juramento à Constituição em todos os Governos presidenciais” mas que nas atuais circunstâncias “tornou-se claro que já não podemos honrar estes compromissos”.

Informam ainda que no dia a seguir à tomada de posse de Trump foram interrogados sobre qualificações e preferências políticas, explicitando que “vários destes entrevistadores recusaram-se a identificar-se, fizeram questões sobre lealdade política, tentaram colocar colegas uns contra os outros e demonstraram uma capacidade técnica limitada”.

Na sequência disto, 40 trabalhadores tinham sido despedidos no início de fevereiro, o que, dizem, “criou riscos de segurança significativos”. Eram “funcionários públicos altamente qualificados” que trabalhavam “na modernização da Segurança Social, dos serviços para veteranos, das declarações de impostos, dos cuidados de saúde, dos apoios em caso de catástrofes, apoio a estudantes e outros serviços críticos”. Para os signatários da carta este despedimento colocou “em risco milhões de norte-americanos que dependem destes serviços todos os dias”.

Já os contratados por Musk para as tarefas de despedimento e redução da dimensão do Governo são apresentados como ideólogos políticos sem competências ou experiência na administração pública.

O e-mail da ameaça de despedimento massivo

Esta demissão chegou ao mesmo tempo que a confusão se instalou na administração pública federal norte-americana depois de Elon Musk ter exigido a todos os funcionários públicos que resumissem num e-mail as cinco principais tarefas realizadas na última semana , considerando que a ausência de resposta equivaleria a uma demissão.

Várias agências federais, como o FBI, o Departamento de Estado, o Pentágono e o Departamento de Segurança Interna, esclareceram os seus funcionários de que não precisavam de responder. Mais tarde o próprio Gabinete de Gestão de Pessoal do governo admitiu que os trabalhadores podiam não responder à mensagem. Enquanto isso, Musk continuava a insistir na segunda-feira no X que quem não respondesse estaria na prática a demitir-se. Uma das justificações para enviar o e-mail, alega, é que “em alguns casos, acreditamos que pessoas inexistentes ou identidades de pessoas mortas estão a ser usadas para receber ordenados”, assegurando que “há definitivamente fraude” apesar de não haver nenhuma prova neste sentido.

Um grupo de sindicatos, outras organizações sociais e funcionários públicos, representado pelo State Democracy Defenders Fund, apresentou como resposta uma ação num tribunal federal da Califórnia contra Musk por considerar que a ameaça de despedimentos viola a lei. No texto apresentam o que está a suceder como “uma das mais gigantescas fraudes relacionadas com emprego da história do país”.

Esta quarta-feira, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, veio contabilizar em mais de um milhão o número de funcionários públicos que terão respondido ao e-mail, vangloriando-se de ela própria o ter feito em apenas minuto e meio e repetindo a versão que se tratava de “garantir que os funcionários federais não estão a enganar os contribuintes americanos, que estão a comparecer no escritório e a fazer o seu trabalho”.

Trump pode entretanto cantar vitória noutro ponto, com o projeto de orçamento que inclui cortes fiscais e medidas anti-imigração a ser aprovado na Câmara dos Representantes por uma curta margem de 217 contra 215. Os republicanos uniram-se à volta da proposta, com a exceção de Thomas Massie, e os democratas foram unanimemente contra, fustigando a descida de impostos para os bilionários e temendo pelo futuro de serviços públicos críticos como o Medicaid, o programa público de cobertura de seguros de saúde que abrange mais de 72 milhões de pessoas.

40% dos contratos públicos cancelados não implicam poupança

Com o discurso prevalecente nos cortes de Musk a ser a poupança e o DOGE a falar num “muro de recibos”, uma análise da Associated Press veio provar que pelo menos 40% dos contratos anulados supostamente por esta razão afinal não implicaram nenhuma poupança (417 em 1.125). Isto porque em muitos dos casos ou dinheiro com eles já tinha sido gasto ou porque não o tendo sido não pode deixar de ser pago.

Um perito em contratação pública disse à agência que a situação “é como confiscar munições usadas depois de terem sido disparadas e quando já não há nada lá dentro”.

A esta análise soma-se o facto do maior contrato apresentado como cortado na página do DOGE ser afinal de oito milhões de dólares e não de oito mil milhões de dólares como aí consta.

A investigação do New York Times descobriu a enorme discrepância acerca do contrato da ICE, agência federal de imigração, com a empresa D&G Support Services, para fornecer apoio técnico ao Gabinete de Diversidade e Direitos Civis desta instituição.

Para além disso, o mesmo jornal mostra que à grande maioria das poupanças que são indicadas pelo DOGE, no valor de 55 mil milhões de dólares, não corresponde documentação específica.

Quem manda afinal no DOGE?

Com a confusão a ser a regra, apenas esta terça-feira ficou respondida oficialmente a questão de quem dirige este DOGE.

De acordo com o Washington Post, a Casa Branca esclareceu que a administradora da instituição é Amy Gleason, ex-executiva de uma empresa privada no domínio da saúde criada por Brad Smith, também próximo de Trump e conselheiro no próprio DOGE.

O anúncio surge na sequência de uma declaração em tribunal, de Joshua Fisher, diretor do Gabinete de Administração da Casa Branca, no sentido de que não seria afinal Musk quem dirigiria efetivamente o organismo ao qual se gaba de dar ordens. Este responsável garantiu que Musk não tem “autoridade real nem formal” sobre as decisões do governo.

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