Ex-funcionários da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, Noaa, denunciam que Elon Musk se prepara para privatizar várias das operações especiais e de satélites da agência pública federal e estará já a direcionar contratos para as empresas SpaceX e Starlink, ambas propriedade do homem mais rico do mundo e encarregado de demolir a estrutura estatal norte-americana.
A notícia é avançada pelo Guardian, que acrescenta que “pelo menos quatro outras agências federais terão começado a distribuir novos contratos para a empresa de Internet por satélite Starlink, de Musk”.
Nesta posição evidente de conflito de interesses, Musk poderá reaver assim o investimento que fez ao apoiar com milhões de dólares Donald Trump, que depois o colocou oficiosamente ao leme do “departamento de eficiência governamental” que tem procedido a milhares de despedimentos de funcionários públicos e cortado cegamente verbas a vários departamentos. Só da Noaa foram já despedidas perto de 1.300 pessoas.
A SpaceX é a empresa privada dominante no setor espacial. A Starlink, por seu turno, tem perto de 6.000 satélites e fornece serviços de Internet e comunicações militares a cerca de 2,7 milhões de pessoas em cem países. Os seus contratos com o Estado são já milionários.
Para além das vantagens negociais, Musk ficaria com a infraestrutura de comunicações do país nas suas mãos. E os trabalhadores contactados pelo jornal britânico explicam que “a atividade da Noaa afeta silenciosamente as funções básicas da vida diária, e tudo, desde o serviço fiável de telemóvel até à forma como os americanos se ligam à Internet e à previsão meteorológica, está em causa”.
Não é a única agência federal que estará a desviar funções públicas para os bolsos de Musk. De acordo com a Rolling Stone, a Federal Aviation Administration, em fevereiro, ordenou ao seu pessoal para encontrar dezenas de milhões de dólares de fundos para os atribuir a contratos com a Starlink. A NBC News também deu conta que o Doge ordenou ao funcionários públicos federais que passassem a usar o Starlink como fornecedor de serviços de Internet. E o Fedscoop dá conta que a agência de fronteiras dos EUA autorizou um processo de avaliação da Starlink para monitorizar a fronteira.
Na mira dos negócios de Musk estará, de acordo com os trabalhadores, o programa de coordenação de tráfego espacial (Traccs) que gere a circulação de milhares de satélites, detritos e naves espaciais para prevenir colisões. Apenas um trabalhador deste programa não foi despedido pelo Doge de Musk, impossibilitando-o de funcionar e abrindo a porta para a sua privatização.
Os satélites da Noaa servem também para previsão meteorológica, fornecendo dados gratuitamente a empresas como a AccuWeather, para além de serem usados na aviações, navegação marítima e defesa. A privatização destes serviços gera preocupações. “O risco de ter interrupções é muito significativo porque estes dados são utilizados sempre para tudo e para muito mais do que as pessoas imaginam”, declarou um ex-funcionário.
Os apetites privados também se fazem sentir sobre as ondas eletromagnéticas que permitem a comunicação sem fios, noticiando-se pressões para haver leilões de faixas de radiofrequência. A Noaa faz previsões de satélite a partir da monitorização do movimento do vapor de água na atmosfera, sendo proprietária das frequências de rádio nas quais este vibra. Se bandas muito próximas desta frequência forem vendidas isto “poderá impedir a função do satélite e interromper a previsão meteorológica fiável e a utilização de telemóveis”, escreve o Guardian.
Afinal, a SpaceX permite investimento chinês, através de offshores
Para além da propriedade privada de funções essenciais gerar preocupações em vários setores, outros preocupam-se sobre em que mãos internacionais estas ficam especificamente.
A este propósito, a ProPublica noticia esta quarta-feira, a partir de registos de um tribunal do Delaware, que a SpaceX está a permitir investimento chinês através de offshores como as Ilhas Caimão.
A empresa tinha até agora garantido que, como empresa com contratos decisivos no setor da segurança dos EUA, tomava precauções quanto a capital vindo do estrangeiro, nomeadamente o chinês, por ser apresentado como o principal rival do país.
Mas em tribunal, em dezembro passado, um dos grandes investidores da empresa que é bastante próximo da sua liderança, Iqbaljit Kahlon, admitiu que havia uma exceção “aceitável” a esta política: “O mecanismo primário é que estes investidores venham através de entidades intermediárias que criariam ou outros criariam. Normalmente, criariam estruturas nas Ilhas Virgens Britânicas, nas Ilhas Caimão, em Hong Kong e várias outras”.
Para além de se gabar de possuir milhares de milhões de dólares em ações da SpaceX, Kahlon explica que a sua firma de investimento é intermediária para angariar mais dinheiro para a empresa de Musk. Os documentos do tribunal mostram que canalizou “várias vezes” dinheiro da China para a SpaceX através da Caraíbas.
De acordo com a investigação, os registos de tribunal mostram ainda a “intensa preocupação com o segredo no que diz respeito à China e detalham uma rede independente de intermediários” que servem para fazer o dinheiro chinês entrar na empresa dominada por Musk.
Continuam gastos em campanhas republicanas
Ao mesmo tempo, continuam a sair notícias de grandes doações do homem mais rico do mundo para as campanhas políticas ultra-conservadores nos EUA.
Esta quarta-feira, a NBC destaca que o seu fundo, America PAC, está a investir em mensagens de apoio a dois candidatos às eleições especiais para a Câmara dos Representantes na Florida. Pelo menos 20.000 dólares terão sido gastos por este fundo de doação para numa eleição que é considerada segura de Jimmy Patronis e Randy Fine.
Trata-se de uma verba muito modesta em comparação com investimentos anteriores. Mas a natureza das eleições explica-o. Sendo que é sobretudo um sinal do seu envolvimento.
Mas o mesmo fundo também consegue alargar os cordões à bolsa na ordem dos milhões de dólares. Foi o que fez na corrida para o Supremo Tribunal estadual do Wisconsin que ocorrerá no próximo dia 1 de abril, noticia o Common Dreams. O próprio Musk admite o apoio numa eleição considerada muito mais renhida. E esta é decisiva também porque, nas suas palavras na rede social que é sua propriedade, “irá decidir como os distritos para as eleições do Congresso são desenhados”, influenciando assim o resultado eleitoral.
De acordo com Musk, se a candidata rival Susan Crawford ganhar, os democratas podem tentar “redesenhar” os distritos de forma a que os republicanos percam dois lugares. Estes já têm uma maioria de 4-3 desde 2023.
Para além de geografia eleitoral, a eleição será importante porque determinará questões como aborto, direitos laborais e supressão de votos. Não menos importante para Musk, vai ser esta a instância a decidir em caso último recurso um processo que interpôs contra o estado por ter uma lei que proíbe fabricantes de veículos de serem donos de concessionários.
Este dinheiro soma-se ao gasto numa petição contra aquilo a que chama “juízes ativistas”. Musk oferecia cem dólares por assinatura. Segundo a WisPolitics, Musk doou nos últimos tempos pelo menos três milhões de dólares ao Partido Republicano deste estado que foram acompanhados por “quase 19,5 milhões de dólares” por parte de dois PAC, fundos de doação ligados ao bilionário.