Na Rússia recitar poesia contra a guerra dá anos de cadeia

29 de dezembro 2023 - 12:27

Artyom Kamardin e Yegor Shtovba leram um poema crítico da guerra em setembro do ano passado. Acabaram por ser condenados esta quinta-feira a sete e cinco anos e meio de prisão. Ao todo, 20 mil pessoas terão sido detidas desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia por serem contra a ofensiva.

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Os dois condenados por recitarem poesia contra a guerra. Foto retirada da rede social X.
Os dois condenados por recitarem poesia contra a guerra. Foto retirada da rede social X.

Em setembro de 2022, ao lado da estátua do poeta Maïakovski, numa praça de Moscovo, Artyom Kamardin, de 33 anos declamou um poema de sua autoria. Yegor Shtovba, de 23 anos, participou na apresentação. Acabaram por ser detidos e esta quinta-feira foram condenados a penas de prisão de, respetivamente, sete e cinco anos e meio porque “incitaram o ódio” e “instigaram atividades que ameaçam a segurança do Estado”.

Os versos lidos pelos dois eram críticos da invasão em larga escala da Ucrânia e das forças separatistas pró-russas e as prisões aconteceram no contexto da repressão generalizada dos protestos anti-guerra na Rússia.

Kamardin acusa as forças policiais de, na rusga feita à sua casa, o terem espancado e violado com um haltere. E de o terem obrigado a gravar um vídeo em que pedia desculpas pelo que fez. Nesse vídeo surgia com a cara marcada por feridas. A sua mulher, Alexandra Popova, também acusa a polícia de agressões com cola aplicada nas bochechas e lábios e ameaças de violação.

De acordo com a Deustche Welle, Kamardin apresentou-se “sorridente” na sala de audiências onde estiveram presentes vários apoiantes e aí voltou a recitar um poema, desta feita sobre a poesia ser “dilacerante” e não agradar a “pessoas acostumadas à ordem”. Dirigiu-se aos juízes pedindo clemência e afirmando desconhecer a ilegalidade dos seus atos.

Depois de lida a sentença, parte das pessoas presentes gritaram “vergonha!”. Já fora do tribunal, algumas foram detidas por “manifestação ilegal”. Entre elas Popova que, em declarações à AFP, tinha considerado a pena aplicada como “demasiado severa” por se tratar de “um delito não violento” e acrescentou que “se tivéssemos tribunais normais, esta situação não existiria”.

Entre fevereiro de 200 e o início deste mês, perto de 20.000 pessoas foram detidas por se manifestarem de alguma forma contra a invasão da Ucrânia. 784 estão atualmente a ser visadas por processos criminais. As contas são do OVD-Info, um grupo de defesa dos direitos humanos que tem vindo a dar a conhecer os abusos policiais e perseguição política na Rússia. Outra organização não governamental crítica do Kremlin, a Memorial, afirma que há 633 presos políticos neste momento.

A Rússia criminalizou de facto qualquer expressão pública crítica da guerra, aplicando penas severas a protestos simples como o da artista Alexandra Skochilenko que, em novembro passado, foi sentenciada a sete anos de prisão, apenas por ter trocada etiquetas com preços num supermercado por mensagens contra a invasão da Ucrânia.