Global Sumud Flotilla

Porque é que Israel infringiu o direito internacional ao atacar a flotilha

03 de outubro 2025 - 12:08

O ataque à flotilha que levava ajuda humanitária para Gaza e o sequestro dos seus participantes é ilegal à luz do direito internacional. Vê aqui porquê.

PARTILHAR
Imagem dos momentos imediatamente anteriores ao ataque ao barco Meteque da Flotilha Humanitária para Gaza.
Imagem dos momentos imediatamente anteriores ao ataque ao barco Meteque da Flotilha Humanitária para Gaza.

Não é a primeira vez que as forças armadas israelitas travam o acesso de ajuda humanitária a Gaza através do mar. Mas isso não faz com que estas ações seja legais à luz do direito internacional, já para não falar em questões de legitimidade numa altura que o povo de Gaza necessita urgentemente de todo o tipo de ajuda.

A Global Sumud Flotilha transportava ajuda humanitária para a Faixa de Gaza quando, a 1 e 2 de outubro, as forças armadas intercetaram os cerca de 40 barcos e sequestraram os mais de 400 ativistas que iam a bordo. O que torna esta ação ilegal?

O mar também tem leis: o que são águas internacionais, águas contiguas e zona económica exclusiva?

Para compreender esta questão é preciso olhar para alguns conceitos. O primeiro deles, e talvez mais usado nos últimos dias, é o de “águas internacionais”. Este é um termo que não pertence ao direito marítimo. Pura e simplesmente, designa em linguagem corrente as zonas do mar de livre circulação, que não estão sujeitas à jurisdição direta de qualquer país. São cerca de 64% dos oceanos. E estão sujeitas à Convenção sobre o Direito Marítimo da ONU, UNCLOS, de 1982, que estabelece liberdade de movimentos nestas águas.

O que está efetivamente sujeito à soberania plena de um país é o chamado “mar territorial” que corresponde às águas situadas entre a sua costa e a distância de 12 milhas marítimas (22,2 quilómetros). A Flotilha para Gaza nunca entrou no mar territorial de Israel.

Aliás, a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, Convemar, estabelece que nenhum país pode fazer manobras militares fora do mar territorial. Israel não é signatário deste acordo. Os Estados Unidos da América também não.

Imediatamente para lá delas, situam-se as águas contíguas. Estas são a porção situada entre o limite do mar territorial e as próximas 12 milhas náuticas. De acordo com o direito internacional, nestas águas o país apenas pode exercer a sua soberania em questões aduaneiras, de fiscalidade, imigração ou de proteção do ambiente.

Outra parte é a zona económica exclusiva. Situa-se entre o início das águas territoriais e as 200 milhas náuticas (portanto 370,4 quilómetros a partir da linha costeira do país). Este conceito dá ao país o direito de usar esta zona para explorar os seus recursos e regular atividades como a pesca, a mineração, exploração petrolífera ou energética.

O ataque sionista é ilegal porque a flotilha não se encontrava nas suas águas territoriais

Os dados de localização da flotilha, que estavam disponíveis para toda a gente em tempo, provam claramente que, quando os seus barcos foram intercetados pelos militares israelitas, se encontravam a maior parte na zona económica exclusiva do Egito, outros nas suas águas contíguas ou nas da Faixa de Gaza.

A exceção é o barco Mikeno que, ao que se sabe, escapou até ao momento à ação armada sionista, tendo conseguido entrar nas águas territoriais de Gaza. Estas são, de acordo com o direito internacional, de soberania palestiniana. Recorde-se ainda que a Assembleia Geral da ONU considera o bloqueio que Israel impõe a Gaza como ilegal.

O ataque sionista é ilegal porque não se podem invocar exceções

Israel e os seus apoiantes costumam utilizar o argumento de que há exceções previstas mesmo para além da sua zona de soberania direta, nomeadamente por “questões de segurança”, neste caso porque colocaria em risco os seus objetivos militares.

Mas não há qualquer exceção que seja aplicável neste caso porque a flotilha nunca entrou em águas sobre as quais Israel tivesse algum tipo de soberania reconhecida à luz do direito internacional.

A Convemar abre ainda outra exceção. Se um país o permitir, pode dar a outro o direito de intervenção em barcos com o seu pavilhão. Ora, nenhum dos países de origem dos barcos da flotilha deram a Israel esse direito.

O ataque sionista é ilegal porque a flotilha carregava ajuda humanitária

Segundo esta mesmo convenção, é reconhecida a necessidade de abrir corredores humanitários para fazer chegar ajuda humanitária às populações civis em caso de conflitos armados. Ora, era precisamente este o objetivo desta viagem.

Outro acordo, o Manual de San Remo sobre a Lei Internacional aplicável a conflitos armados no mar, proíbe bloqueios que causem fome e sofrimento desproporcionado e proíbe que se ataquem missões humanitárias.

Isto já para não falar na Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, nas resoluções 2720 e 2728, que exigem a remoção de todas as barreiras ao auxílio humanitário, na Quarta Convenção de Genebra, que impõe a obrigação de permitir a passagem de ajuda humanitária, ou até o Estatuto de Roma do Tribunal Criminal Internacional que criminaliza o uso da fome como método de guerra e a obstrução à ajuda humanitária.