Enquanto ainda corriam rios de tinta e choviam comentários sobre uma tomada de posse com uma retórica expansionista e messiânica, lugar preferencial aos oligarcas das big tech e a saudação nazi do homem mais rico do mundo e agora governante, já o recém-empossado presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, inaugurava o mandato com uma maratona de assinaturas de dezenas de ordens executivas, memorandos e proclamações. No dia seguinte, esta terça-feira, o seu responsável pelas fronteiras, Tom Homan, anunciou que a deportação massiva de migrantes indocumentados ia começar de imediato.
Uma enxurrada de medidas reacionárias no primeiro dia de governo
Depois de começar pela assinatura das nomeações do seu Governo, o primeiro texto de natureza não interna subscrito pelo novo presidente foi uma proclamação que anulou a medida de Biden de luto pela morte do ex-presidente Jimmy Carter. As bandeiras deveriam estar a meia haste durante um mês inteiro mas Trump não queria começar o mandato assim, ordenando portanto que as bandeiras sejam içadas.
Em seguida, o seu primeiro decreto foi também no sentido de anular 78 decretos do anterior presidente. Invertendo políticas de equidade racial e de prevenção e luta contra a discriminação de género ou de orientação sexual, de luta contra a crise climática, de reunião familiar de imigrantes, de acolhimento de refugiados entre outras. Outras das medidas revogadas foi a decisão de acabar com o programa para baixar o custo dos medicamentos e a introdução experimental de génericos.
A enxurrada de assinaturas continuou com um decreto sobre “a restauração da liberdade de expressão e o fim da censura federal” que, para além das proclamações, obriga o procurador-geral a investigar a ação do governo anterior que se considera teria pressionado as redes sociais ao lutar contra a desinformação.
Depois tratou da “campanha sistemática” desse executivo contra os “oponentes políticos”, referindo nomeadamente a suposta perseguição “impiedosa de mais de 1.500” que participaram na ataque ao Capitólio 6 de janeiro de 2021. Também aqui se promete uma investigação interna sobre a atuação do Estado e “medidas corretivas”. Um pouco mais tarde procedeu à assinatura dos perdões dos envolvidos neste ataque que designou como sendo “reféns”.
Trump quis ainda acabar com o teletrabalho na administração federal e suspendeu a publicação de novas medidas em todos os órgãos do Estado, assim como novas contratações, enquanto um dirigente nomeado por si não estiver à frente destes. Neste caso há exceções para o pessoal militar e ligado à segurança ou à aplicação de leis de imigração, segurança social, saúde. Prepara-se também um plano de redução de funcionários públicos e a facilitação do despedimento dos altos quadros públicos, do Senior Executive Service, responsáveis que não tinham de passar até agora por nomeação presidencial e que passam a estar também dependentes deste.
Ao nível do recrutamento de funcionários públicos cessarão os “fatores inadmissíveis” como paridade ou quotas raciais e passa a haver prioridade a “pessoas que se empenhem em melhorar a eficácia do governo federal, que sejam apaixonadas pelos ideais da nossa República americana e que se empenhem em fazer respeitar o Estado de direito e a Constituição dos EUA.
Entre esta primeira ronda constou ainda a retirada dos EUA dos acordos climáticos de Paris e da Organização Mundial de Saúde, a suspensão da interdição do TikTok e a declaração de “emergência nacional” na fronteira com o México, autorizando-se assim a participação das forças armadas na “caça” ao imigrante.
Num outro decreto “clarifica” o papel do exército como tendo prioridade na defesa das fronteiras e “repelir” “invasões”, nomeadamente “as migrações massivas ilegais”. Insistiu ainda na construção de “barreiras físicas temporárias e permanentes ao longo da fronteira sul dos EUA” e outras medidas de reforço de fronteiras, recusando o direito internacional sobre asilo ao aplicar a política chamada “permanecer no México” que obriga os requerentes de asilo a esperar pela audiência do seu caso no lado de lá da fronteira. Assinou ainda mais um decreto a ordenar às agências federais que utilizem “todos os recursos legalmente disponíveis” para “assegurar a execução fiel das leis de imigração”.
Com o texto “A América primeiro”, Trump ordenou aos responsáveis pelo comércio e finanças que investiguem as causas dos “deficits comerciais persistentes” e proponham medidas como a revisão de direitos alfandegários. O documento não fixa percentagens mas o presidente tem falado em taxas de 25% para as importações do México e Canadá e “até 60%” no caso chinês.
Trump revogou também as normas a favor de energias renováveis, a política sobre carros elétricos e o “Green New Deal”, um conjunto de medidas ambientais que eram bandeira para Biden.
Em termos ambientais assinou ainda um documento intitulado “pôr as pessoas antes dos peixes: parar o ambientalismo radical para providenciar água ao sul da Califórnia”. O presidente norte-americano insiste que os incêndios neste estado ganharam enormes proporções porque a água doce teria sido encaminhada para o mar de forma para proteger determinadas espécies de peixes, o que não tem base científica.
Por outro lado, decretou uma “emergência energética nacional” mandatando várias agências a facilitar a exploração de gás e petróleo e congelou as explorações eólicas offshore. Num texto à parte, intitulado “libertar o potencial extraordinário dos recursos do Alasca”, dá luz verde aos combustíveis fósseis naquele estado, revogando proteções à fauna em vigor.
Através de “ordens executivas”, alterou as condições de atribuição de cidadania aos filhos de imigrantes ilegais, o que vai contra a Constituição do país, e restabeleceu a pena de morte ao nível federal. Esta deverá ser aplicada em todos os casos em que o assassinado seja um agente das forças da ordem ou nos crimes capitais cometidos por imigrantes ilegais.
Trump suspendeu a ajuda ao desenvolvimento de outros países para a “reavaliar” e nega o cumprimento do acordo fiscal internacional da OCDE que implica um imposto mínimo de 15% para as grandes empresas.
E assinou leis anti-trans, avançando com um decreto que estabelece que o governo federal reconhece apenas dois sexos, masculino e feminino, definidos de forma absoluta na altura da conceção. Os programas de Diversidade, Equidade e Inclusão são considerados “esbanjamento” e “discriminação vergonhosa”, por isso terminarão.
O Conselho Nacional de Segurança é reformulado de forma a servir apenas para aplicar a agenda decidida pelo presidente. E Musk fica encarregue de modernizar a tecnologia e os programas informáticos federais.
Já no final deste dia de assinaturas, Trump assinou um decreto segundo o qual os gangues e cartéis de droga passam a ser considerados organizações terroristas, anunciou rebatizar o golfo do México como golfo da América e o monte Denali no Alasca como monte McKinley e terminou assinando mais um texto de “garantia” de “proteção” de cada um dos estados do seu país contra a “invasão”, decretando-se oficialmente “o fim da invasão”.
Ações judiciais sobre lei da nacionalidade, entre outros
Como era de esperar, a contestação política às medidas fez-se sentir de imediato. Assim como os processos judiciais, nomeadamente sobre a lei executiva sobre atribuição de nacionalidade que irá parar a tribunal. 18 estados dirigidos pelos democratas e duas cidades, São Francisco e Columbia, lançaram um processo para travar a aplicação da medida.
Estes defendem que quer a lei federal quer a 14ª emenda à Constituição garantem o direito de cidadania às crianças nascidas em solo dos EUA. Rob Bonta, procurador da Califórnia, diz que a ordem presidencial é inconstitucional e anti-americana.
Antes destas entidades já a American Civil Liberties Union, organizações de migrantes e pessoas a nível individual tinham feito o mesmo. Entre elas está uma mãe que está no país com estatuto temporário protegido e que deve ter o seu filho em março.
Mas o recurso aos tribunais não foi só por causa desta medida. Outros grupos contestaram outras. O National Treasury Employees Union, sindicato que representa funcionários públicos de 37 agências e departamentos, apresentou uma ação judicial contra a facilitação dos despedimentos de forma a abrir lugar para os partidários de Trump.
Vários outros processos, também por sindicatos ou grupos de defesa do interesse público, incidem sobre o papel de Elon Musk e o seu “Departamento de Eficiência Governamental” que violará a lei de transparência federal. Entre eles estão a Associação de Saúde Pública Americana, a Federação Americana de Professores e os Cidadãos pela Responsabilidade e Ética em Washington.
O grupo National Security Counselors também processa o Estado, alegando que a lei sobre este departamento viola uma lei de 1973 que exige que os comités consultivos do poder executivo sigam regras específicas sobre divulgação, contratação entre outras práticas.