Um artigo publicado em dezembro na revista científica BMC Public Health, da autoria dos cientistas portugueses Dora Neto e Miguel Bastos Araújo, mostra que há um aumento das mortes prematuras devido ao calor no Alentejo.
Entre 1980 e 2015 registaram-se 5.296 mortes prematuras devido ao calor na região, cerca de 151 por ano, revelando-se assim a insuficiência das medidas de adaptação às alterações climáticas.
Ao jornal Público, a investigadora da Universidade de Évora, Dora Neto, explica que “à medida que as temperaturas vão ficando mais elevadas existem medidas mais artificiais para combater esse aumento de calor que pode ser nocivo para a saúde humana”. E “se essas medidas estiverem a ser consistentemente implementadas, podem traduzir-se na estabilização do impacto [do calor] ao longo do tempo”. Só que tal não foi observado no período de 35 anos que foi estudado, realça.
Na região, os padrões são diferenciados. Apesar de não haver diferenças muito significativas, é no Alto Alentejo que o número de mortes prematuras por esta causa é maior. Já se tivermos em conta a mesma temperatura, o risco de morte aumenta no Alentejo Litoral em relação às outras regiões. É algo “consistente com zonas historicamente mais frescas, com menor tolerância ao calor”, avança-se.
O estudo partido de uma abordagem alargada do Verão, de maio a setembro, dividindo-se este em duas partes, Maio-Junho e Julho-Setembro. Esta divisão permitiu concluir que também há uma falha ao se pensar os impactos do calor ao longo destes meses. A especialista sublinha que se descobriu que “não há uma adaptação das pessoas entre o período sazonal mais inicial (Maio-Junho) e o final (Julho-Setembro)”. O que quer dizer que o impacto destas mortes cresce ao longo do curso dos meses de Verão.
Tal coloca em causa os patamares definidos de alerta para temperaturas máximas, 35 graus em maio e junho, e 38 graus de julho a setembro. “O que o nosso estudo parece sugerir é que não existem razões para ter em conta esse expectável aumento da tolerância a temperaturas mais altas com o decorrer do avanço do Verão”.
Para o futuro, o estudo analisa dois cenários de aumento das temperaturas, RCP 4.5 e 8.5. O primeiro implicaria um controlo das emissões de dióxido de carbono, metano e outros gases com efeito de estufa, que se traduziria num pico em 2040 e depois numa descida. O segundo implicaria entre 140 a 180 dias por ano com temperaturas acima dos 30 graus no Alentejo. Um aumento significativo face aos 60 a 80 dias do período entre 1971 e 2000. Se no primeiro cenário o número de mortes passaria de 3,54% para 6,61%, no segundo o aumento seria para 15,88%.
Os especialistas propõem medidas que vão desde o planeamento urbano, à construção sustentável, a medidas de eficiência energética, de isolamento térmico e de “investimento em espaços frescos e refúgios climáticos”.
Isto para além da sensibilização, dado que “traduzindo os riscos da exposição ao calor em números de mortes prematuras, isso pode potenciar a perceção de risco da população e ajudá-la a não subestimar os impactos do calor.”