À medida que alguns dos ativistas da Flotilha humanitária para Gaza vão sendo libertados e que as mensagens dos ainda detidos vão sendo conhecidas através dos canais diplomáticos, vão-se conhecendo cada vez mais episódios de maus tratos por parte das forças armadas israelitas.
Isto depois de ter sido divulgado um vídeo no qual o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, insulta os participantes da flotilha que estavam presos e sentados no chão. Na ocasião chamou-os de terroristas, acusação que voltou a fazer mais tarde garantindo que terão na prisão “condições de terroristas”. Os relatos de abusos parecem confirmar que não eram palavras da boca para fora.
O mesmo fez questão de sublinhar que se opõe à sua libertação: “devem ficar aqui por alguns meses, na prisão israelita, para que possam sentir o cheiro da ala terrorista”.
Greta, um alvo especial da raiva dos militares sionistas
Greta Thunberg é dada como um dos alvos principais da raiva dos militares sionista. Aos representantes do seu país que a visitaram na cadeia, a ativista ambiental sueca contou apenas que está a ser sujeita a um tratamento duro, obrigada a ficar sentada em superfícies duras por longos períodos, que tem acesso a pouca comida e água e que tem erupções cutâneas que suspeita terem sido causadas por percevejos.
E quem já foi libertado conta detalhes chocantes. O jornalista italiano Lorenzo Agostino, já enviado para a Turquia, conta que ela “foi humilhada e enrolada numa bandeira israelita e exibida como troféu”. As forças armadas israelitas “aproveitaram todas as oportunidades para humilhar qualquer um de nós”. E “tive a sensação de estar num lugar realmente bárbaro”. Acrescentou ainda que as condições de detenção eram duras, com as pessoas sequestradas a ter poucas roupas e a serem obrigadas assim a passar frio.
— Greta Thunberg, a brave woman, is only 22 years old
— She was humiliated and wrapped in an Israeli flag and exhibited like a trophy
— They took every opportunity to humiliate, any of us.
— I had the feeling of being in a really barbaric place
Italian journalist Lorenzo… pic.twitter.com/kDNYjkjte2— Global Sumud Flotilla (@GlobalSumud) October 4, 2025
Ersin Çelik, jornalista turco, também à chegada ao seu país refere que ela foi “atormentada”, “arrastaram-na pelo chão”, puxando-a pelos cabelos, “obrigaram-na a beijar a bandeira israelita”.
O ativista norte-americano Windfield Beaver diz que ela foi “tratada terrivelmente” e “usada como propaganda”. Çelik pensa por seu lado que foi utilizada como forma de aviso para os outros prisioneiros.
As pessoas libertadas contam mais histórias de maus-tratos
Vão chegando ainda notícias de privação de água, de alimentação e de sono, de confiscação de medicamentos. E, nas suas redes sociais, a Flotilha tem divulgado vários dos relatos daquelas pessoas que foram entretanto libertadas.
O ativista turco Aycin Kantoglu, já libertado, conta: “À noite, chegou o Ben-Gvir. Fecharam-nos em jaulas de animais, obrigando-nos a ficar em espaços apertados. As paredes tinham inscrições em árabe com sangue; mães tinham escrito os nomes dos seus filhos. Não nos deram água — "bebam da casa de banho", disseram. Estivemos sem comer durante 36 a 40 horas”. E confirma: “Greta Thunberg foi muito mal tratada”.
Turkish Sumud Flotilla activist Aycin Kantoglu:
At the port, we were greeted by someone who spoke good Turkish. After asking where we had come from, they asked where we were. When I asked, “Where are we?”, they said, “You’re in Israel — there’s no Gaza anymore.”
In the evening,… pic.twitter.com/TWAhXqfnex— Global Sumud Flotilla (@GlobalSumud) October 4, 2025
Outra ativista turca, também à chegada ao seu país, relata que os soldados israelitas tiraram à força os lenços que as prisioneiras usavam na cabeça, tendo algumas das pessoas que não usam lenço facultado t-shirts para que pudessem voltar a cobrir a cabeça. Às câmaras, depois de sair do avião, mostrou que ela própria estava a usar uma t-shirt cobrindo os cabelos.
O colonista da Novara Media, Kiera Andrieu, que também foi extraditado para a Turquia, conta que
“Israel tratou-nos terrivelmente. Negou medicamentos essenciais às pessoas. Uma noite, ontem à noite, gritámos que alguém poderia estar a ter um ataque cardíaco. Não vieram. Não se importaram. Deram-nos comida infestada de insetos. Submeteram algumas pessoas a tortura.” E concluiu: “é assim que Israel se comporta em relação aos europeus. Consegue-se imaginar como trata os palestinianos todos os dias.”
A Al-Jazeera traz o relato da ativista malaia Hazwani Helmi que diz que os sequestrados foram tratados “como animais”, privados de alimentos, água potável e medicamentos e também da artista e apresentadora de televisão turca Ikbal Gurpinar que acrescenta “deixaram-nos com fome durante três dias. Não nos deram água; tivemos de beber da sanita… Estava um dia terrivelmente quente e estávamos todos a torrar.”
À AFP, o italiano Paolo Romano, conselheiro regional da Lombardia, em Itália, descreve: “obrigaram-nos a ajoelhar, de bruços. E se nos mexêssemos, espancavam-nos. Gozavam connosco, insultavam-nos e batiam-nos”. E acrescenta: "usavam violência psicológica e física". Na prisão, "abriam a porta à noite e gritavam connosco com armas para nos assustar. Éramos tratados como animais".
A flotilha lista os crimes de que estão a ser alvo os seus ativistas
Em comunicado, a Global Sumud Flotilla faz a lista de crimes de que estão a ser alvo os 462 ativistas pacíficos de cerca de 45 países que foram sequestrados ilegalmente e detidos, mantidos durante muito tempo “incomunicáveis, com os sistemas de comunicação bloqueados, alguns deles sujeitos a tratamentos degradantes e a canhões de água.”
São nove os crimes de que acusam Israel neste momento. O primeiro tem a ver com a interceção ilegal da flotilha humanitária. A ação violou as normas consuetudinárias de direito internacional, “tal como aceites nos artigos 19.º, 88.º e 301.º da CNUDM, que exigem que os Estados respeitem a passagem pacífica e segura das embarcações. Israel não tem o direito de intercetar embarcações civis, de acordo com o artigo 110.º da CNUDM, sem que nenhuma das exceções previstas nos artigos 110.º (a) a (e) tenha sido aplicada”.
O segundo é rapto e detenção arbitrária de participantes, o que viola o artigo 9.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: Proibição de detenções arbitrárias. Sublinha-se que eram ativistas a cumprir uma missão humanitária e não uma ameaça.
O terceiro transferência forçada para prisões em Israel que viola o artigo 49.º da Quarta Convenção de Genebra: Proibição da transferência de civis dos territórios ocupados.
O quarto violência física e tratamento desumano com recurso a canhões de água contra civis pacíficos em alto mar, contrários ao Artigo 3.º Comum das Convenções de Genebra: Proibição da violência contra civis, ao artigo 5º: Proibição da tortura e de tratamentos cruéis. Para além disso, acusa-se Israel também de violar o artigo que proíbe difamar cidadãos pacíficos, o que é uma forma de estigmatização ilegal devido aos insultos, difamação e rotulagem caluniosa de "terroristas" de que estão a ser alvo. Isto também viola o direito à dignidade (Declaração Universal dos Direitos do Homem, Art. 1º).
O sexto é o processamento ilegal de ativistas como "imigrantes ilegais" perante a Autoridade de Imigração, as audiências judiciais sem a presença de advogados e coação para assinar um documento declarando que os participantes entraram ilegalmente em Israel. Há aqui a violação do direito a um julgamento justo, à liberdade e à segurança, nos termos dos artigos 9.º e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
O sétimo diz respeito aos ataques repetidos de drones por parte de Israel contra a Flotilha, considerados como violando o artigo 8 do Estatuto de Roma e o 2(4) da Carta da ONU, enquadrando-se como “ato de agressão contra os Estados de bandeira e cidadãos, incluindo o uso ilegal da força”, o que é considerado crime de guerra.
O oitavo é o ataque às embarcações que, tendo sido feito fora da zona de soberania de Israel, é considerado um ataque e uma violação da soberania do Estado da bandeira dos navios.
O nono diz respeito ao facto de serem embarcações civis a transportar ajuda humanitária para a população de Gaza, o que está listado como crime de guerra pelo artigo 8º(2)(b)(xxv) do Estatuto de Roma. O bloqueio israelita sobre Gaza, aliás, é ilegal à luz do Parágrafo 102 do Manual de San Remo, que estipula a ilegalidade de um bloqueio se este "tiver o único propósito de matar de fome a população civil ou negar-lhe outros objetos essenciais à sua sobrevivência".