Carta aberta

Liberdade é viver sem medo: pelo fim da impunidade da violência de extrema-direita em Portugal

19 de junho 2025 - 19:48

O que aconteceu no dia 10 de junho não foi inédito nem isolado. Foram mais dois episódios de violência política de extrema-direita. Leia aqui e subscreva a carta aberta.

PARTILHAR
Manifestação
Fotografia de Esquerda.net.

Esta carta aberta foi publicada no seguimento dos ataques de neonazis no dia 10 de junho e das concentrações "Não queremos viver no país do medo" e já recolheu 3.000 assinaturas. Pode assinar aqui.


No dia 10 de junho, a violência da extrema-direita voltou a sair à rua, com as agressões brutais e cobardes ao ator Adérito Lopes, junto ao Teatro A Barraca, em Lisboa, e a duas voluntárias de uma associação que distribuía comida numa ronda pelas ruas, no Porto. A brutalidade, o crime público, chocou o país. Indignou quem trabalha na cultura e quem faz o apoio às pessoas em situação de sem-abrigo. Indignou quem se preocupa com a segurança de quem quer andar livre e sem medo pelas ruas. Revoltou quem se lembra do que foi a censura e quem sabe o que é a intimidação a eventos como apresentações de livros e espetáculos. Alarmou quem reconhece a escalada da hostilidade contra imigrantes e preocupou quem vê a persistente inação do Governo perante esta onda de ódio e agressão.

Por isso, mobilizamo-nos, em revolta e em estado de alerta. Mas, sobretudo, exigimos ação. Imediatamente. Não vamos esperar em silêncio até ao próximo e previsível ataque.

O que aconteceu no dia 10 de junho não foi inédito nem isolado. Foram mais dois episódios de violência política de extrema-direita. Estes grupos perseguem ativistas e agridem as pessoas, nacionais e estrangeiras, pela sua nacionalidade, origem, fé, género e orientação sexual. Ou por se ser ator numa peça de teatro sobre Camões, ou voluntária e distribuir comida a pessoas estrangeiras. Ou por…

Estes grupos estão organizados, têm ligações políticas, pregam o ódio e praticam a violência. Crescem empolados pelo discurso da extrema-direita, que assaltou o parlamento e a sociedade e que, muitas vezes, é aceite e até reproduzido por outras forças.

Divulgam frequentemente as suas ações. Quebram a lei, de forma reiterada, assumida e anunciada. E quase nada lhes acontece. Não há outro setor da sociedade que goze de tal impunidade.

O Governo chegou a retirar do RASI – Relatório Anual de Segurança Interna – um capítulo que alertava para a violência da extrema-direita e que mencionava os grupos envolvidos nestas agressões. Esta omissão agrava a perceção de que não existem consequências, o que encoraja este tipo de ataques. O resultado está à vista.

Por isso denunciamos, mas, sobretudo, exigimos ao Governo, às autarquias e às restantes autoridades competentes:

  • A proteção das pessoas contra a violência destes grupos;

  • O fim da impunidade da violência de extrema-direita em Portugal;

  • O desmantelamento (dissolução e bloqueio patrimonial) das organizações neofascistas/de extrema-direita, no respeito do artigo 46º da Constituição;

  • O reforço da atenção e vigilância a estes grupos por parte das autoridades competentes, nomeadamente com mais meios para as equipas dedicadas;

  • A divulgação do capítulo omitido do RASI, a justificação desta omissão e o estabelecimento de uma auditoria externa anual sobre a violência de extrema-direita;

  • A responsabilização dos agressores do dia 10 de junho por atentado à integridade física e à liberdade cultural;

  • Instituir um programa de proteção de espaços culturais vulneráveis, equiparado ao que já existe para jornalistas em situação de risco;

  • A elaboração de um plano de prevenção do discurso de ódio, envolvendo escolas, plataformas digitais e autarquias.

Combater a violência de extrema-direita não é apenas a punição dos seus autores – é preciso uma resposta política e social que enfrente as condições que tornam fértil o terreno do ódio. Isso significa investir seriamente na cultura, na educação pública, no acesso à habitação e no combate às desigualdades estruturais e à pobreza. Significa criar alternativas concretas onde hoje há apenas abandono, precariedade e exclusão. 
 

Cada dia que passa sem uma resposta robusta reforçará a sensação de impunidade destes crimes e a escalada da violência.

Sem justiça não há paz!

Subscrevem:

Clara Passarinho
Andreia Galvão
Maria do Céu Guerra
Dora Filipa Matos
Mariana Jones
Flávio Almada
Carla Bolito
Sara de Castro
António Brito Guterres
Amarílis Felizes
Isabel Craveiro

Termos relacionados: SociedadeExtrema-direita