Liberdade de expressão

Manifestantes pró‑Palestina enfrentam ordem de deportação na Alemanha

02 de abril 2025 - 12:22

As autoridades de Berlim querem deportar dois cidadãos irlandeses, um polaco e um estadunidense pela sua participação em manifestações contra o genocídio em Gaza. Nenhum foi condenado por qualquer crime.

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Roberta Murray num protesto em Berlim contra o genocídio em Gaza
Roberta Murray num protesto em Berlim contra o genocídio em Gaza. Fotografia de Wael Eskandar

O caso do ativista estudantil Mahmoud Khalil, preso nos EUA e ameaçado de deportação, gerou uma onda de solidariedade contra a repressão do movimento pró-Palestina por parte da administração Trump. Mas no centro da Europa está a passar-se o mesmo. As autoridades de imigração do estado de Berlim emitiram uma ordem de deportação e deram até 21 de abril para quatro jovens residentes na capital alemã abandonarem o país.

Segundo o portal Intercept, as razões apontadas para as ordens de deportação são semelhantes e têm por base relatórios policiais acerca da sua participação em protestos contra o genocídio em Gaza, como um sit-in na estação central de comboios, um corte de rua e a ocupação de um edifício da Universidade Livre de Berlim, a única iniciativa comum nas quatro acusações. Os factos concretos apontados são de gravidade reduzida, tendo dois deles sido acusados de chamarem “fascista” a um agente policial e de tentarem impedir a prisão dos manifestantes no sit-in. O único que teve de responder em tribunal pelo alegado insulto ao polícia foi absolvido. Outras acusações, como a de terem entoado slogans anti-israelitas e antissemitas, não são concretizadas, restando acusações vagas ou sem provas como a de apoio ao Hamas ou manifestarem-se com grupos que entoam slogans como “From the river to the sea, Palestine will be free”, que foi proibido no ano passado na Alemanha.

“O que estamos a ver são as medidas mais duras possíveis, baseadas em acusações extremamente vagas e, em parte, completamente infundadas”, disse Alexander Gorski, o advogado do European Legal Support Centre que faz a defesa dos manifestantes.

“Vamos lutar contra esta ordem de deportação até ao fim. Não vamos a lado nenhum”, disse Roberta Murray, a jovem artista irlandesa de 31 anos que vive em Berlim há três e que participou em vários protestos, tendo recebido cartas da polícia por ter vestida uma t-shirt com a frase “From Risa to the Spree”, um jogo de palavras evocativo do slogan proibido, mas com os nomes de uma conhecida cadeia de fast-food de frangos e do maior rio de Berlim. “A deportação] não se vai aguentar em tribunal. Não tem qualquer fundamento jurídico. É puramente política”, afirmou à RTE.

O outro irlandês ameaçado de deportação é Shane O'Brien, engenheiro informático de 29 anos a viver há vários anos na Alemanha. Tal como Roberta, vive no bairro de Neukölln, ao lado de uma grande comunidade imigrante de países do Médio Oriente. A comunidade de imigrantes irlandeses em Berlim é uma fatia pequena mas significativa do movimento de solidariedade com a Palestina na capital alemã. O'Brien foi detido numa manifestação em outubro por alegadamente entoar slogans proibidos e teve o nariz partido quando um agente da polícia lhe desferiu um soco, segundo relata o Irish Times, que viu o vídeo do incidente. O jovem irlandês era um dos voluntários do serviço de ordem destes protestos com a missão de “manter a multidão na estrada, afastá-la do passeio [e] reduzir a tensão se houver algum problema”. Foi ele que respondeu em tribunal e foi absolvido da acusação de ter chamado “fascista” a um agente policial.

O Irish Times teve acesso a documentos da correspondência interna dos serviços de imigração de Berlim, que mostram como os funcionários rejeitaram a ordem inicial do departamento de imigração para avançar com as ordens de deportação, alegando a desconformidade com as leis da União Europeia. Segundo os funcionários, as razões invocadas não eram suficientes para justificar tal medida, sobretudo tendo em conta a inexistência de qualquer condenação. Mas os altos responsáveis rejeitaram a opinião jurídica dos serviços.

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Por terem noção da dificuldade de justificar face à lei europeia uma ordem de expulsão do país, as autoridades de Berlim usam antes “a retirada do direito à livre circulação”, explicou o advogado. Uma nuance que fará pouca diferença no efeito da medida, caso se concretize, e que será ainda mais grave para Cooper Longbottom, estudante de 27 anos, que veio de Seattle e está a seis meses de completar o mestrado em Direitos Humanos. Agora enfrenta o risco de não vir a poder entrar nos 29 países do espaço Schengen por dois anos. Além da separação da pessoa com quem vive, Cooper tem outra preocupação: “Como pessoa trans, a ideia de voltar para os EUA neste momento é muito assustadora”, afirmou ao Intercept.

A quarta pessoa ameaçada de deportação é Kasia Wlaszczyk, também ela trans e a trabalhar no setor cultural, que deixou a Polónia aos 10 anos e formou-se em História de Arte em Londres, integrando a equipa de curadores da Trienal de Arquitetura de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos. “Se isto for para a frente, vai arrancar-me da comunidade que construí aqui”, diz Kasia, acusando as autoridades alemãs de instrumentalizarem as acusações de antissemitismo, transformando-as numa tática racista contra os palestinianos, árabes e muçulmanos, mas também usada contra quem se levanta em solidariedade com aquelas comunidades.

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