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O acordo assinado em Julho de 2009 pelo governo português e a administração dos EUA para a cedência de dados biométricos e biográficos de portugueses ainda não foi ratificado pela Assembleia da República, não é sequer conhecido pelos deputados, não teve ainda o parecer obrigatório da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Mas o blog Esquerda Republicana descobriu que este acordo já foi tornado público no site do Department of Homeland Security dos EUA, que o dá como já estando em vigor.
“Legalmente, esse acordo não existe”, disse ao Esquerda.net a deputada Helena Pinto, do Bloco de Esquerda.
O acordo visa o "reforço da cooperação no domínio da prevenção e do combate ao crime" e foi assinado pelo ministro da Administração Interna, Rui Pereira, o então ministro da Justiça, Alberto Costa, e a secretária de Estado norte-americana, Janet Napolitano.
Rui Pereira garantiu que o acordo salvaguarda a lei nacional. Mas, até ser descoberto no site americano, o seu texto era secreto.
Pena de morte
Agora, conhecido o texto dessa forma insólita, ficámos a saber que a partilha de informação, que inclui desde dados pessoais a impressões digitais e perfis de ADN, abrange os crimes "que constituem uma infracção punível com pena privativa de liberdade de duração máxima superior a um ano ou com uma pena mais grave". Ora, mais grave que pena de privar a liberdade só pode ser a pena de morte, que não existe em Portugal (foi abolida em 1867) mas está em vigor nos EUA. Ora a possibilidade de Portugal cooperar na investigação criminal de crimes em relação aos quais se prevê a pena de morte viola o princípio da inviolabilidade da vida e a proibição da pena de morte consagrados na Constituição Portuguesa.
Outro aspecto do acordo que chama a atenção é o seu artigo 11º. Ele especifica quais são os cidadãos que verão os seus dados partilhados. São aqueles que “irão cometer ou cometeram infracções terroristas, infracções relacionadas com terrorismo ou infracções relacionadas com um grupo ou uma associação terrorista”, “estão a ser ou foram treinados para cometer as infracções referidas” ou ainda “irão cometer ou cometeram uma infracção penal, ou participam num grupo criminoso organizado ou numa associação criminosa”.
Isto é: o acordo permite o acesso a dados de qualquer cidadão, bastando que se presuma que ele “irá” cometer algum crime e mesmo que ele não tenha praticado qualquer infracção.
Bloco denuncia
O Bloco de Esquerda já tinha denunciado a ausência de escrutínio democrático do acordo. A deputada Helena Pinto dirigiu, no início do mês, um conjunto de questões ao Ministério da Administração Interna a questionar a “legitimidade e legalidade” desta “mega-operação de acesso global aos dados pessoais de milhões de cidadãos e cidadãs, controlada pelos EUA” e a denunciar a ausência de “um amplo debate político e escrutínio democrático”. Helena Pinto questionou o governo sobre quando pretendia apresentar o projecto de Resolução sobre o referido Acordo à Assembleia da República.
Agora, a deputada recorda que os EUA não protegem dados de estrangeiros, e que podem obter dados de cidadãos que não tenham cometido qualquer infracção. A deputada bloquista recorda que “o governo fez o acordo em 2009, num completo silêncio, e ainda hoje o texto não entrou na Assembleia da República, onde tem de ser ratificado para entrar em vigor”, afirmando que, “enquanto isso não acontecer, o acordo legalmente não existe”.
Helena Pinto estranha ainda que o governo português, “sempre tão seguidista das iniciativas da União Europeia”, não esperou pela negociação que está a decorrer entre os Estados Unidos e Bruxelas relativamente à protecção de dados dos cidadãos europeus. Estranha também que o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados só tenha sido pedido há dois meses.