A Revolução de Abril na imprensa italiana

24 de abril 2022 - 15:13

Por singular coincidência, no dia 25 de Abril, em Itália, comemora-se o derrube definitivo do fascismo de Mussolini, em 1945. Por isso, na imprensa italiana de 26 de Abril de 1974, surge uma inevitável ligação entre os dois acontecimentos. Por Álvaro Arranja.

porÁlvaro Arranja

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A Revolução de 25 de Abril, colocou Portugal nas primeiras páginas da imprensa internacional. O derrube da mais velha ditadura do continente europeu, a festa da libertação nos primeiros dias, incluindo o 1º de Maio, surpreendeu a Europa e o mundo.

Por singular coincidência, no dia 25 de Abril, em Itália, comemora-se o derrube definitivo do fascismo de Mussolini, em 1945. Por isso, na imprensa italiana de 26 de Abril de 1974, surge uma inevitável ligação entre os dois acontecimentos que partilham a primeira página de periódicos de diferentes tendências.

É o que podemos ver em jornais ligados às três principais forças políticas da Itália de 1974.

Il Popolo, diário da Democracia Cristã, partido no governo de Itália desde a queda do fascismo, concede à atualidade portuguesa um título a toda a largura da primeira página, na edição de 26 de abril. Numa análise aos antecedentes imediatos da revolução, o jornal sublinha a questão colonial, nomeadamente a repercussão da expulsão dos “missionários católicos que tinham denunciado as sanguinárias consequências de uma guerra absurda”. Refere-se concretamente aos “massacres de Moçambique” que fizeram “a questão portuguesa alcançar a opinião mundial”. Como jornal católico, sublinha as posições do Bispo de Nampula contra a guerra e a situação colonial, denunciando “as situações que ofendem a dignidade, a expressão cultural, política e social do homem africano”. Ao contrário de outros jornais, Il Popolo sublinha que aquele é “o dia dos jovens oficiais” e não dos generais.

L` Unitá, jornal do PCI do eurocomunista Enrico Berlinguer, segunda força política italiana (atingiria 34% dos votos em 1976), dedica a 1ª página do dia 26 ao “25 APRILE” italiano e à revolução portuguesa. Para o jornal, “o regime fascista que exibia na Europa o primado da estabilidade, caiu ontem em poucas horas, em circunstâncias que provam espetacularmente a sua falência no plano interno, internacional e africano.” .Segundo o L`Unitá, “da falência da guerra colonial ao agravamento da crise social interna, toda a política do regime provocava há muito o descontentamento entre os oficias subalternos. A revolta de 16 de março tinha já mostrado como tinha entrado nos quartéis a tensão social existente no país.” Apesar da pública divergência entre PCI e PCP, na edição de 3 de maio, o jornal publica uma mensagem de Berlinguer (naqueles anos defensor do “compromisso histórico” com os democratas-cristãos) para Álvaro Cunhal, enviando “calorosas saudações e um abraço fraterno”.

O Avanti, histórico jornal do Partido Socialista Italiano, também divide a primeira página de 26 de abril entre os dois “25 de Abril”. Num artigo sobre o “fim do salazarismo”, refere que “também os portugueses tiveram o seu 25 de Abril”. Sublinha que “o facto de a população de Lisboa tenha vindo para as ruas em liberdade”, permite ver “para Portugal um futuro de liberdade”. Outro espaço do jornal é dedicado à posição de Mário Soares, “no exílio há quatro anos”, de apoio ao golpe e o “seu desejo de voltar a Portugal”.

La Stampa, um dos diários italianos de grande expansão, propriedade do grupo FIAT, refere na primeira página de 26 de abril que, “com o golpe de Lisboa, acaba o mais velho fascismo europeu”. Antes de 25 de Abril, “Portugal era desafio à história deste tempo, já que enquanto todas as principais potências europeias tinham abandonado há anos os seus impérios, Salazar tinha continuado a acreditar na missão africana dos portugueses, expressão que escondia uma impiedosa repressão colonialista”.

Lotta Continua é um jornal ligado ao movimento político com a mesma designação, habitualmente qualificado como de extrema-esquerda e particularmente ativo nos anos 70. Também dá relevo à situação nas colónias portuguesas, referindo na edição de 27 de abril que na Guiné e Angola, os movimentos de libertação continuarão a sua luta, até ao reconhecimento do direito à independência. Noticia que “o PAIGC anunciou o reforço da luta armada”. Esta luta é considerada como “um apoio concreto ao povo português”.

Esta festa da liberdade dos dias iniciais da revolução terá o seu ponto culminante no 1º de Maio. No L`Unitá de 3 de maio, fala-se em título no “Poderoso Primeiro de Maio em Lisboa”.

O jornal resume o ambiente daqueles dias.

“Hoje há nos portugueses orgulho de si próprios.”

“Lisboa foi a cidade mais feliz do mundo”.

Álvaro Arranja
Sobre o/a autor(a)

Álvaro Arranja

Professor e historiador.