Os relatos de maus-tratos sofridos na prisão israelita por parte dos ativistas da Global Sumud Flotilla são “perturbadores”, afirmou o porta-voz do secretário-geral da ONU esta segunda-feira. “Queremos ver todas as pessoas detidas a serem repatriadas o mais rapidamente possível para os seus países de origem", afirmou segunda-feira Stéphane Dujarric, defendendo igualmente uma investigação aos abusos denunciados.
Um deles foi o da eurodeputada Rima Hassan, da França Insubmissa, que à chegada à Grécia disse ter sido “espancada por polícias israelitas” após a detenção ilegal em águas internacionais.
Também Greta Thunberg, que todos apontaram como o principal alvo dos carcereiros israelitas no deserto do Negev, afirmou aos jornalistas que podia passar horas a descrever os maus-tratos a que foi sujeita. No entanto, preferiu dirigir as atenções para o que se está a passar em Gaza: “Deixem-me ser muito clara. Está a acontecer um genocídio diante os nossos olhos. Um genocídio em direto em todos os nossos telemóveis. Ninguém tem o privilégio de dizer que não sabe o que está a acontecer. Ninguém, no futuro, poderá dizer: nós não sabíamos”, declarou a ativista, acusando os governos de de “traírem os palestinianos” e de não estarem a conseguir “impedir os piores crimes de guerra”.
“Eu nunca vou compreender como os seres humanos podem ser tão maus, que deliberadamente deixam milhões de pessoas passar fome, a viver aprisionados num cerco ilegal, como continuação de décadas e décadas de opressão sufocante, apartheid e ocupação”, prosseguiu Greta Thunberg.
O governo espanhol, pela voz do ministro do Interior, anunciou a apresentação de uma queixa junto do Tribunal Penal Internacional pela forma como foram capturados os ativistas, dizendo que “qualquer ataque a pessoas em águas internacionais constitui uma negação de liberdade de acordo com a lei nacional e internacional”.
Numa crónica publicada na segunda-feira, o único jornalista espanhol dentro a flotilha, que viajava no barco onde estava Mariana Mortágua, relata os momentos da captura e detenção. No porto de Ashodod, conta que estiveram imobilizados durante quatro horas, “sentados em filas com as mãos no ar e sob ameaças e vexações constantes dos soldados israelitas”.
“‘Olha para o chão, ó monte de merda’”, gritou-me um polícia quando me voltei para tentar ver como figuras reconhecíveis como Greta Thunberg ou os dois tripulantes judeus da flotilha eram separados do grupo para serem fotografados junto a bandeiras israelitas”, relata Néstor Prieto.
Seguiu-se a ida para a prisão de alta segurança, onde prosseguiu “uma repressão calculada para minar a resistência sem dar margem a acusações diretas de espancamentos graves: insultos, gritos, puxões de cabelo, apontar armas e todo tipo de tratamento humilhante eram a norma”. Na cela onde ficou com mais doze homens, estava o senador irlandês Chris Andrews, do Sinn Féin, que só após duas noites de espera e uma crise asmática severa recebeu o seu inalador. Dois diabéticos, entre eles um com mais de 70 anos, foram deixados sem acesso a insulina, o que provocou um protesto que teve como resposta uma incursão violenta dos soldados em algumas celas. “Não temos médicos para animais”, disse um dos guardas.
Sem acesso a água potável, a única opção era “o líquido turvo e com gosto metálico” que saía da torneira. A comida era escassa e fora de validade, como o confirmavam “os ovos, com a data de consumo vencida impressa na casca”. Não tiveram acesso a advogado, telefone ou qualquer forma de comunicação com o exterior. Já no regresso aos seus países de origem, diz o jornalista, havia um pensamento comum aos participantes: “Se fossemos palestinianos, já estaríamos mortos, seríamos assassinados pelo exército israelita. Éramos terroristas”.