Flotilha

“Não somos heróis, fizemos o que os nossos governos deviam ter feito”

06 de outubro 2025 - 1:03

À chegada ao aeroporto de Lisboa, os quatro ativistas portugueses da flotilha para Gaza foram recebidos por uma multidão. Voltaram a relatar os maus tratos na prisão israelita e reiteraram a vontade de continuar a lutar por uma Palestina livre.

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ativistas portugueses da flotilha chegam ao aeroporto. Foto de RUI MINDERICO/LUSA.
ativistas portugueses da flotilha chegam ao aeroporto. Foto de RUI MINDERICO/LUSA.

Uma multidão recebeu na noite deste domingo os quatro membros portugueses da flotilha humanitária para Gaza que estavam detidos ilegalmente em Israel. Durante horas, o aeroporto de Lisboa encheu-se de palavras de ordem pela libertação da Palestina até que os ativistas finalmente conseguiram sair e falar numa conferência de imprensa conjunta improvisada.

As primeiras questões foram sobre as condições de detenção. Mariana Mortágua relatou: “tivemos experiências de ver camaradas a serem espancados e levados, tivemos experiências de várias horas algemados e de sermos provocados pelo ministro israelita, tivemos experiências de ficar em jaulas”. Mas, ao mesmo tempo, “uma coisa que foi muito presente em todos nós é que nós percebemos a diferença naquela prisão entre ser europeu e ser palestiniano. E por muito que tenha sido difícil para nós, e foi, e por muito que tenha havido abusos, e houve, muitos, isso deu-nos uma ideia do grau de impunidade das forças israelitas contra palestinianos”.

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Miguel Duarte corroborou e acrescentou: “tivemos camaradas espancados pelas forças israelitas, todos nós passámos fome e passámos sede, fomos algemados, fomos vendados e postos dentro de autocarros-prisão” e em celas “absolutamente sobrelotadas”. Para além disso, alguns dos detidos estiveram mais de 24 horas, outros mais de 48 horas “sem comer nem beber”. Houve ainda pessoas com diabetes que estiveram três dias sem receber insulina.

Ficaram “em jaulas, ao sol, durante muito tempo”. Mas também ele salienta que será tudo imensamente mais difícil para os detidos palestinianos: “estas celas e estes autocarros-prisão onde nós fomos transportados para trás e para a frente estão cheios de inscrições em árabe, de prisioneiros palestinianos que estiveram lá e que sofreram infinitamente mais do que aquilo que nós sofremos nestas prisões.”

O ativista tem consciência de que “se nós tivemos alguma proteção às nossas vidas e à nossa integridade física foi porque somos europeus, porque temos mobilizações pelo mundo inteiro em apoio à flotilha. Temos que fazer o mesmo pelos palestinianos”, vincou.

Sofia Aparício denunciou que as autoridades sionistas tentaram que assinassem dois documentos escritos em hebraico que se recusaram a assinar. E durante as noites houve a tentativa de os obrigar a assinar outros documentos.

Sobre este tema, os dois portugueses quando estiveram num dos autocarros-prisão sofreram pressões para assinar documentos “o mais depressa possível, sem poder lê-los”. Quando os conseguiram ler, perceberam que serviam para reconhecer que tinham sido detidos legalmente e recusaram-se a assinar. Miguel Duarte denunciou que então “tivemos uns soldados israelitas com os nossos passaportes a falsificar as nossas assinaturas para mostrar que nós aceitamos que fomos intercetados legalmente”.

Diogo Chaves disse que “custou um bocadinho sair da prisão e deixar camaradas” detidos, mas vir para casa antes permite lutar por eles e pela causa palestiniana.

“Não somos heróis mas pessoas que fazem os que nossos governo não fazem”

Perante as perguntas sobre se eram heróis ou se estavam a retirar protagonismo ao povo palestiniano, Mariana Mortágua respondeu: “nós não somos heróis. Nós somos pessoas que estão a fazer aquilo que os nossos governos não estão a fazer. Quem não está a furar o cerco humanitário e a proteger a lei internacional são os governos dos nossos países que se dizem democracias e que dizem respeitar a lei internacional”.

E reiterou: “isto não é sobre nós. A nossa crítica não é o apoio consular que foi dado aos cidadãos portugueses que estavam na prisão israelita. A nossa crítica é o governo português que não aplica sanções a Israel, que permite a violência militar de um genocídio.”

Não nos sentimos humilhados

Em seguida, foi a vez de Miguel Duarte responder a perguntas sobre se se sentiu “humilhado” quando o ministro da administração interna de Israelita, Itamar Ben-Gavir, veio tentar achincalhar os ativistas. Ele respondeu: “fomos algemados e ficámos várias horas algemados, ajoelhados no chão, não me senti humilhado, senti-me dignificado por estar ao lado destas pessoas”. E porque de uma pessoa “que comete um genocídio nós não queremos nada que não desprezo”.

Os ativistas cantaram em resposta ao ministro da extrema-direita israelita: “Free Palestine”.

Para terminar a sua intervenção destacou que “os míseros passos simbólicos que tivemos até agora, como, por exemplo, o reconhecimento do Estado da Palestina e algumas sanções aplicadas por alguns países só aconteceram por causa das mobilizações dos movimento sociais”.

“Não imaginávamos o que se estava a passar”

Mariana Mortágua terminou dizendo que “não imaginávamos o que se estava a passar” enquanto estiveram detidos. Não souberam assim que houve um barco que conseguiu chegar a águas territoriais palestinianas e que os palestinianos conseguiram pescar porque a marinha israelita foi destacada em massa para as detenções. E não souberam também da escala das manifestação que têm ocorrido. Emocionada, agradeceu o apoio e apelou a que se continue a mobilização.