Trabalho

Mudanças na legislação laboral ao assalto dos direitos dos trabalhadores

25 de julho 2025 - 17:01

Governo apresentou pacote que pretende alterar 110 artigos da legislação laboral. CGTP diz que é um “retrocesso”. Os patrões, agradados, que é uma “boa base de trabalho”. José Soeiro denuncia que governo quer “precarizar o trabalho, embaratecer o seu custo, retirar a capacidade de intervenção coletiva dos trabalhadores, enfraquecer o seu poder.”

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Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, à saída da concertação social.
Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, à saída da concertação social. Foto de ANTÓNIO PEDRO SANTOS/Lusa.

O governo apresentou esta quinta-feira na reunião da concertação social um anteprojeto de reforma das leis laborais.

A proposta de 59 páginas, designada Trabalho XXI, pretende alterar 110 artigos da legislação laboral e inclui um alargamento da obrigatoriedade de serviços mínimos nas greves em atividades “de apoio a crianças, idosos e deficientes”. Creches e lares estarão abrangidos pelas alterações mas a ministra do Trabalho deixa no ar se isto abrange as escolas, afirmando que isso “não está ainda definido”. Também “serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais” e o abastecimento alimentar vão ser acrescentados à lista de atividades sujeitas a serviços mínimos. Sobre este tema, o documento contém ainda a ideia de fixar percentagens prévias para serviços mínimos.

Este abrange também o fim da limitação de outsourcing para empresas que tenham feito despedimentos coletivos ou por extinção do posto de trabalho nos 12 meses anteriores.

Para além disso, os prazos dos contratos a termo certo passam do atual limite de dois anos, incluindo renovações, para três, sendo que o primeiro contrato passa a poder ser de um ano. O limite máximo dos contratos a termo incerto passa de quatro para cinco anos.

A famosa “compra de férias” que o executivo tem propagandeado ao longo dos últimos tempos também surge neste pacote. Afinal, trata-se apenas de introduzir a possibilidade dos trabalhadores faltarem “dois dias antes ou depois do período normal de férias, com perda de retribuição, mas sem perda de mais regalias”, disse Rosário da Palma Ramalho, a titular da pasta do Trabalho.

O texto marca também o regresso do “banco de horas individual”, possibilitando desta forma o alargamento de horários semanais de trabalho. A ministra deu a entender que isso só será permitido se for possível dados os acordos coletivos mas o Jornal de Negócios indica que isso “numa primeira leitura não resulta absolutamente claro do anteprojeto”.

O governo mexerá também nos subsídios de Natal e de férias que passam a poder ser pagos em duodécimos com a retribuição mensal “se essa for a vontade expressa do trabalhador”, muda o artigo da lei sobre plataformas digitais que permita a vinculação dos estafetas, elimina a norma que previa que a recusa de teletrabalho não pode constituir causa de despedimento e, no caso de despedimento ilícito, as empresas passam a poder pedir que o tribunal substitua a reintegração por uma indemnização.

CGTP fala em “tentativa de assalto aos direitos dos trabalhadores”, patrões satisfeitos

À saída do encontro, Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, classificou ou diploma como “uma tentativa de assalto aos direitos dos trabalhadores”. Para ele, a proposta apresentada é um “retrocesso”, implicando alterações que são uma “volta ao passado”.

Já Mário Mourão, da UGT, foi menos taxativo, apesar de também criticar a existência de propostas que “fragilizam os direitos dos trabalhadores", reservando uma posição mais detalhada para a semana porque vai agora "fazer reflexão com os seus sindicatos na próxima semana".

Francisco Alves
Francisco Alves

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Inversamente, as declarações dos patrões foram favoráveis. O presidente da CIP, Armindo Monteiro, considerou-a “uma boa base de trabalho”, apesar de acreditar que “tem margem de melhoria significativa”. No seu entender, “muitas das medidas anunciadas corrigem o mal que tinha sido introduzido” mas poder-se-ia ir mais longe sobre o banco de horas individual e estabelecer percentagens concretas quanto à obrigatoriedade de serviços mínimos em greves”-

Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal, utilizou quase as mesmas palavras, dizendo ser “uma boa base de negociação” que vem “corrigir situações do passado”. Também ele pede “alguma maturação” em alguns assuntos.

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal gabou o caráter “bastante alargado” da proposta, mostrando-se agradado com o fim das restrições ao outsorcing e as propostas para as plataformas digitais.

Um “novo código de trabalho na prática” contra o qual é preciso preparar desde já uma mobilização muito ampla e uma capacidade de resistência”

José Soeiro, dirigente do Bloco de Esquerda, diz que é “preciso analisar ao detalhe” a proposta do governo porque “ é muito mais que uma alteração da legislação laboral, sendo “na prática um novo Código do Trabalho, que responde às exigências patronais dos últimos anos e parece ir até além delas, tratando a lei do trabalho como um puro instrumento do mercado”.

Assim, vai ser precisa uma “análise fina nos próximos dias e preparar desde já uma mobilização muito ampla e uma capacidade de resistência”.

Considera que no seu discurso o governo utiliza “o estafado mantra da direita: é preciso “flexibilizar” para atrair investimento, isto é, é preciso precarizar o trabalho, embaratecer o seu custo, retirar a capacidade de intervenção coletiva dos trabalhadores, enfraquecer o seu poder.”

Sobre o concreto de várias das medidas, o sociólogo do trabalho diz ao Esquerda.net que o executivo “propõe-se eliminar ou esvaziar conquistas muito importantes que tivemos nos últimos anos, nomeadamente com as alterações de 2023 (a chamada “Agenda do trabalho Digno”) no enquadramento do trabalho em plataformas digitais, nos créditos laborais, no teletrabalho, na possibilidade de os sindicatos intervirem em empresas onde não haja sindicalizados, na proibição do outsourcing”.

A proposta não se fica por aqui e “atira-se também a alterações de anos anteriores, como a limitação das renovações sucessivas dos contratos a prazo, ou a extinção do banco de horas individual, que tinha acabado em 2019 e o Governo pretende agora que volte”.